Licenciada em Engenharia de Sistemas e Informática, é CEO da BindTuning, líder no desenvolvimento de software para trabalho digital, com parceiros em mais de 30 países. Criou aos 24 anos a primeira empresa e venceu em 2020 o Portuguese Women in Tech Awards.

Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho?
Como se fosse hoje! Entrei na Universidade com todos os sonhos do mundo e o primeiro dia esteve à altura das minhas expectativas. Lembro-me da receção, da primeira manhã com atividades de integração e, acima de tudo, do momento em que conheci o meu marido! Recordo-me de cada detalhe da longa conversa que tivemos nas escadas do Complexo Pedagógico I, em Gualtar. Essa conversa acabou por marcar esse dia para sempre.
 
Ingressou em 1992 na licenciatura em Engenharia de Sistemas e Informática. Foi a sua primeira opção? Porquê a UMinho?
Foi com orgulho que terminei o 12.º ano com uma média de 20 valores, pelo que, sim, entrei na minha primeira opção. Anos antes, quando pensava na minha vida futura, imaginava-me no mundo da Medicina, mas quando o momento chegou de formalizar a escolha do curso, apercebi-me de que não seria feliz, senti que não era para mim. Já tinha ponderado seguir Informática no 10.º ano e foi o meu fascínio pela tecnologia que me levou a escolher Engenharia de Sistemas e Informática, mesmo sem nunca ter tocado num computador. A escolha da Universidade do Minho foi natural. O curso da UMinho era dos mais conceituados da Europa, pelo que não tive dúvidas na hora de decidir!
 
Na altura não era habitual as mulheres enveredarem por cursos tradicionalmente masculinos... Como surgiu o interesse pela área?
O fascínio pela tecnologia era antigo. Vinha do meu tempo de criança, quando ia para casa de uma amiga vê-la jogar Spectrum. Mas até ao 12.º ano nunca tive a possibilidade de contactar com a Informática, pelo que a escolha do curso foi mesmo uma grande vontade de arriscar, de seguir o instinto. Não posso dizer que tenha sido tudo fácil! Houve um choque inicial enorme nos primeiros tempos. Em 1992 éramos nem meia dúzia de raparigas em cerca de 100 alunos, e para além disso deparei-me com um vasto grupo de colegas já muito experientes em tecnologia. Foi difícil! Infelizmente, 30 anos mais tarde, este choque ainda acontece a muitas raparigas que entram em cursos de IT. É algo que temos de continuar a lutar para mudar.
 
De que momentos da vida universitária sente mais saudades?
De tantos! A vida universitária em Braga é cheia de momentos inesquecíveis. Fiz lá muitos dos meus melhores amigos. Desde os tempos iniciais da praxe às festas universitárias, o saudoso “Club 84”, o Enterro da Gata, as idas ao Bom Jesus. Tenho excelentes memórias de tudo!
 
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Mais dificuldade nos pitches por ser mulher

Como correu a sua entrada no mercado de trabalho? Que desafios enfrentou?
O meu primeiro emprego foi como consultora na Ernst & Young. Tive a sorte de ter na liderança duas mulheres fortes, fantásticas líderes femininas, que me inspiraram no crescimento, ambição e coragem. Sendo uma mulher jovem, muitas vezes quase a única nos projetos, foi essa inspiração que me ajudou a enfrentar um mundo tão dominado por homens.

Dois anos após a conclusão do curso fundou a sua primeira empresa na área tecnológica. Tinha apenas 24 anos. Como correu?
Foi uma grande aprendizagem. Éramos três sócios, todos jovens, cheios de garra e de ideias! Foram anos de muito trabalho e de crescimento a todos os níveis. A CentralBiz apareceu no período pré-bolha e conseguiu crescer rapidamente, tornando-se um dos prestadores de serviços mais relevantes no mundo da Microsoft. Incorporámos quatro anos mais tarde o Grupo Ace, à época o braço tecnológico da EDP.

E como surgiu mais tarde a BindTuning?
É uma grande história! Depois da UMinho, fiz uma pós-graduação no IADE em Comunicação e Design e em 2005, combinando as minhas skills técnicas e de design, criei uma empresa de consultoria web para PMEs chamada Bind. Em 2008, sofri um acidente de bicicleta e estive em recuperação alguns meses. Logo no início, para distração, criei um web theme (modelo de site) e coloquei-o à venda num marketplace. Após uma semana já era o best-seller! Publiquei outro e cheguei de novo ao topo. Percebi que tinha nas mãos uma oportunidade de negócio. Os três anos seguintes foram de investimento na área dos temas web e dessa experiência surgiu a ideia de um configurador web, que foi a base do produto. A BindTuning foi lançada em 2011 e até hoje mantenho-me como CEO. Com mais de 100 parceiros e 200 mil utilizadores finais no mundo, somos líderes no desenvolvimento de software para o espaço de trabalho digital e especializados na transformação da intranet em espaços de trabalho modernos, colaborativos e inteligentes que potenciem a experiência do colaborador.

Assumir a liderança de uma área tradicionalmente dominada por colegas do sexo masculino levantou algumas dificuldades?
Não posso dizer que tenha tido, ao longo dos anos, alguma situação desconfortável, mas foi sem dúvida mais difícil. A BindTuning posicionou-se sempre no mercado internacional, principalmente em países de língua inglesa, e foi preciso conquistar o reconhecimento dos meus pares. Senti mais dificuldade nos pitches a investidores, principalmente há 10 anos. De um homem empreendedor esperavam risco e crescimento. Perante uma mulher eram mais paternalistas e conservadores. Penso que isto está a mudar.

“É inevitável cair no percurso... várias vezes”
 
Que competências são mais relevantes para um percurso de sucesso? 
Não sei se há competências que definam o nosso caminho de forma determinística. A própria definição de sucesso depende de cada pessoa. Eu própria ainda estou a percorrer esse caminho. Penso que aquilo que me trouxe até aqui foi, acima de tudo, uma grande determinação e muita resiliência. É inevitável cair no percurso... várias vezes. A diferença está em sermos capazes de nos levantar, mesmo que caiamos vezes sem conta. À determinação e resiliência acrescento coragem. Na vida temos muitas vezes de tomar decisões difíceis, e é preciso ter a coragem para as tomar e assumir as nossas escolhas.
 
Que papel teve a UMinho no desenvolvimento e aquisição dessas competências?
A UMinho foi a base sólida que levei para a vida. Base sólida não só de conhecimento, mas também de amigos, ligações, diferentes perspetivas. Para quem, como eu, vinha de uma cidade pequena, foi o abrir de muitas portas. É um orgulho enorme ter feito parte de uma escola que preparou tantos quadros e líderes do mundo da tecnologia e sentir que trouxe da UMinho muito daquilo que sou hoje.
 
Há dois anos venceu o Portuguese Women in Tech Awards. O que representa esta distinção para si?
Foi um enorme orgulho ser reconhecida como Female Founder do ano 2020, mais ainda quando é votado pela comunidade. É importante para as novas gerações terem role models que mostram que o sucesso é possível para as mulheres em IT. Estes prémios são certamente um passo importante nesse sentido.

Também preside desde 2019 ao International Association of Microsoft Channel Partners Portugal (IAMCP)...
Sim, é uma honra poder servir a comunidade tecnológica de diferentes formas. O reconhecimento atribuído pela Microsoft enquanto Most Valuable Professional e Regional Director representa o trabalho e contribuição que tenho tentado manter de forma contínua para com a comunidade técnica, seja como speaker, artigos científicos ou participação em eventos. Numa outra vertente, espero com esta liderança do IAMCP Portugal conseguir contribuir para consolidar o universo de parceiros em Portugal, dinamizando relações de parceria, bem como oportunidades de networking, aprendizagem e internacionalização dos nossos associados. Tem sido um desafio que muito me tem honrado e que não seria possível sem a incrível equipa que constitui o nosso board.
 
Que mensagem deixa às estudantes inscritas em cursos STEM - Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática?
Acreditem sempre em vocês, nas vossas competências e capacidades. E acreditem que são capazes de tudo aquilo a que se propuserem. As mulheres têm tudo o que é preciso para liderar o mundo STEM. A capacidade de resiliência e a força inata estão em cada uma de vós. Nunca deixem ninguém dizer-vos o contrário.
 
Onde se vê daqui a dez anos?
Perto da reforma? Estou a brincar [risos]! Vejo-me essencialmente a inspirar e motivar os jovens do futuro, a investir para que outros possam iniciar com confiança o seu caminho de inovação e de contribuição para um mundo melhor.
 
As preferências de Beatriz Oliveira

Um livro. “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez.
Um filme. “Os condenados de Shawshank”, de Frank Darabont.
Uma série. “Breaking Bad”.
Uma música. “Crazy”, dos Aerosmith.
Um clube. Rio Ave FC.
Um desporto. Natação.
Uma viagem. Patagónia.
Um passatempo. Desenhar.
Um vício. Chocolate com 90% de cacau.
Um prato. Rojões à moda do Minho.
Uma personalidade. Bill Gates.
Um momento. Dois! O nascimento das minhas filhas.
UMinho. Para sempre, a minha segunda casa.