A alumna de Engenharia de Sistemas e Informática é COO da Cleva Inetum, líder de mercado no desenvolvimento de software para o setor segurador. Já teve cargos de chefia em multinacionais e cofundou, em 2009, uma startup pioneira na área das carteiras digitais.
 
Ingressou em 1989 na licenciatura em Engenharia de Sistemas e Informática (LESI). Foi a sua primeira opção?
Foi a minha primeira opção, sim, por recomendação de um amigo da família que sabia do meu gosto pela matemática e que me deu as melhores referências do curso e das várias possibilidades que abria para o futuro. E não se enganou [risos]! Na altura, estava indecisa entre LESI e a licenciatura de Engenharia Química, na Universidade do Porto. Depressa descobri que tinha sido uma boa escolha colocar LESI no topo da lista!
 
Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho?
Lembro-me de um anfiteatro enorme cheio de gente, da azáfama daquele dia e de não conhecer quase ninguém. Éramos mais de 90 alunos. O 1.º ano do curso foi bastante atípico. O Governo tinha implementado, em 1988, a Prova Geral de Acesso ao Ensino Superior, o que originou vários protestos e polémicas e um atraso significativo no início das aulas. Penso que o primeiro semestre arrancou apenas em janeiro de 1989 e as aulas prolongaram-se até julho. Foi um ano intenso!
 
Porquê a UMinho?
Por causa do curso e da excelente reputação da universidade.
 
Na década de 1980, não era muito comum estudantes do sexo feminino enveredarem por essas áreas. Conte-nos como foi...
Não era a única mulher na turma, éramos várias, mas uma minoria, sim. Entrei no curso sem ter tido, no secundário, qualquer contacto com disciplinas de informática. No início senti algum desafio nas cadeiras de programação. Não tinha computador pessoal, era pouco comum na altura. Não tive computador até ao 3.º ano do curso. Fazia os trabalhos no Centro de Informática, reservando o dia e a hora. Isto colocava alguns desafios na organização do tempo e na preparação do que precisava de fazer, mas acabava por fomentar também maior proximidade com os colegas que frequentavam o espaço. Os professores eram acessíveis e exigentes. O campus de Gualtar estava ainda em expansão. Por isso, as aulas dividiam-se entre Gualtar e as instalações na Rua D. Pedro V. Os alunos do 3º, 4º e 5º anos da licenciatura tinham aulas em Guimarães, mas isso mudou dois anos depois. Eu já só tive aulas em Braga. Foi um tempo bom, de muita aprendizagem e de estabelecimento de relações que ficaram para a vida. O curso era, de facto, muito completo e diverso e eu fui descobrindo as minhas preferências.
 
Que momentos deixaram mais saudades?
Não sinto propriamente saudades desse tempo. Adorei o curso e gostava muito de estudar, mas queria seguir em frente, começar a minha atividade profissional. Mantenho contacto com bastantes colegas da universidade e do curso, do meu e de outros anos. Partilhamos percursos nas mesmas empresas, em muitos dos casos, ou então vamo-nos cruzando profissional e pessoalmente.

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30 anos de experiência, vários desafios
 
Como correu a sua entrada no mercado de trabalho? E que desafios encontrou pelo caminho?
No último ano do curso fiz um estágio curricular na Direção de Sistemas de Informação da Sonae Distribuição. Começar a trabalhar numa empresa como a Sonae, uma “escola” em muitos aspetos, ao lado de António Murta e Jorge Brás [ambos formados pela Escola de Engenharia da UMinho], duas pessoas extraordinárias que viriam a marcar todo o meu percurso profissional, foi um enorme privilégio! Enquanto estagiária, desenvolvi um programa de ensino por computador, com recursos multimédia, para a formação nos processos operacionais de receção e conferência de mercadorias nas lojas Continente. Uma inovação na altura! Aprendi muito sobre o negócio da distribuição e isso agradou-me imenso. A Sonae estava a crescer e os sistemas de informação tornaram-se estratégicos para o negócio, criando muitas oportunidades profissionais para todos. Ao ingressar no mercado de trabalho, deparei-me com os desafios normais de quem sai da universidade: perceber como funcionam as empresas, ter vontade e capacidade para aprender muito e se adaptar...
 
Houve algum momento que a marcou ou alterou o rumo do seu percurso profissional?
Lembro-me de alguns momentos em que me foram propostas funções diferentes ou dada a oportunidade de participar em novos projetos e em que fui dizendo “sim”, muitas vezes apenas por confiar em quem me convidava. Aventurei-me e aprendi sempre muito. Assim fui tecendo um percurso que me levou da programação ao trabalho de análise e sistematização de requisitos e à gestão de projetos, passando por funções comerciais e de gestão de conta, para depois se consolidar numa função de desenvolvimento organizativo, que completou a minha experiência transversal nas organizações e me conduziu ao que verdadeiramente gosto de fazer na gestão: estratégia, organização e métodos, processos, implementação de mudança, desenvolvimento de pessoas e processos de transformação das organizações.
 
Em três décadas assumiu cargos de chefia em empresas de renome como a Sonae, Enabler, Wipro Technologies e i2S. Que conselhos deixaria aos nossos estudantes para um percurso de sucesso?
Em primeiro lugar, acho que cada pessoa deve ter bem claro para si o que significa ter “sucesso” e saber isso pode mudar em momentos diferentes da vida. Para mim, por exemplo, significa ter a oportunidade de desempenhar funções diferentes, aprender, crescer profissionalmente nas organizações e assumir mais responsabilidades, mas também significa manter algum equilíbrio nas várias facetas da minha vida e sentir que estou a transformar-me na pessoa que quero ser. Cheguei a viver uma temporada nos EUA e gostei imenso, porque me permitiu conhecer outras formas de pensar, bem como pessoas e estilos de vida diferentes. Noutro período da minha vida, viajei, com muita frequência, em trabalho pela Europa e pelo Médio Oriente. Gostava verdadeiramente de o fazer, mas hoje, com família, prezo muito poder trabalhar no que gosto, mantendo “a minha base”, em casa, e esse tal equilíbrio. Cada um precisa de saber que talentos tem, o que quer fazer com eles, como pode causar impacto e fazer a diferença nos projetos a que se dedica. Acho que os mais jovens partilham esta perspetiva e a noção de que o futuro se faz de muitos caminhos, experiências e “profissões”.
 
Em 2009 cofundou, com os alumni António Murta e Carlos Oliveira, a CardMobili, uma startup que rapidamente se tornou líder na área das carteiras digitais.
Foi uma experiência enriquecedora e um grande desafio: concretizar uma ideia simples, mas muito útil e apelativa para os consumidores, e procurar um caminho que pudesse transformar essa ideia num negócio. Julgo que estivemos uns anos adiantados em relação ao mercado.
 
Atualmente é COO na Cleva Inetum, uma multinacional especializada na conceção e implementação de software para o setor dos seguros. Explique-nos o que faz concretamente.
A Cleva Inetum é o novo nome da i2S, uma empresa com mais de 30 anos e líder de mercado no desenvolvimento de software para o setor segurador. A mudança de nome acontece após a aquisição da empresa pelo grupo Inetum, em setembro de 2019. Enquanto chief operating officer (COO), coordeno todas as operações da empresa levadas a cabo pelas equipas de produto, que desenvolvem o software, e pelas equipas de serviços, que o implementam e asseguram o suporte aplicacional ao negócio e a resposta às necessidades dos clientes. Assumo também a gestão da organização e a ligação com o CEO, em França. Somos mais de 250 pessoas que, a partir de Portugal, entregamos uma das soluções-chave do grupo para companhias de seguros na Europa, explorando oportunidades também na América Latina.
 
“Nunca me senti discriminada por ser mulher”
 
Destacar-se e assumir cargos de liderança num setor dominado por homens é mais difícil?
Nunca me senti discriminada por ser mulher, nem positiva nem negativamente. Reconheço, no entanto, que muitas vezes olho “à volta da mesa” quando estou com os meus pares nas organizações e as mulheres são muito poucas, mas esta realidade está a mudar.
 
Que mensagem deixaria às adolescentes que “sentem o bichinho” por essas áreas?
Que nenhuma ideia pré-concebida as impeça de seguir em frente, pois não vejo porque haveriam de limitar-se a si próprias ou deixar que os outros o façam.
 
Foi eleita este ano uma das 25 mulheres líderes em software na Europa, pelo The Software Report. O que significa este reconhecimento para si?
Senti-me grata pelo reconhecimento e pelas manifestações de apreço de tantos colegas e amigos que fui fazendo ao longo da vida. Mas foi uma completa surpresa e confesso que, até hoje, não sei o que esteve na origem dessa “nomeação”. Não fossem alguns amigos meus encontrarem e partilharem o vosso post, no facebook Alumni UMinho, continuaria sem saber [risos]. E estaria tudo bem na mesma.
 
Onde se vê daqui a dez anos?
Dividindo a minha vida entre o trabalho, algum projeto de voluntariado de intervenção social na minha comunidade e tempo para desfrutar da família e dos amigos.
 
Como é um dia normal na vida da Helena Leite?
É muito normal mesmo. O quotidiano de qualquer família que se separa pela manhã, dividindo-se entre a escola e o trabalho, e regressa ao final do dia para preparar e partilhar a refeição e as histórias do dia, com uns momentos dedicados à leitura antes de descansar. Os dias de trabalho são bastante preenchidos. Hoje, tudo isto acontece no mesmo espaço físico – em casa –, mas mantenho a esperança de que todos recuperaremos um pouco da nossa liberdade e mobilidade, fora de portas…
 
Jogos de tabuleiro são o seu passatempo favorito
 
Um livro. "Memorial do Convento", de José Saramago.
Um filme. "Dogville", de Lars von Trier.
Uma série. "This is Us".
Uma música. "Fields of Gold", interpretada por Eva Cassidy.
Um clube. FC Porto.
Um desporto. Caminhar na natureza.
Uma viagem. Moçambique, a minha terra natal.
Um passatempo. Jogos de tabuleiro.
Um vício. Batatas fritas de pacote. É um vício horrível, eu sei [risos]!
Um prato. Secretos de porco com migas de espargos.
Uma personalidade. Nelson Mandela.
Um momento. Abraçar os meus filhos.
UMinho. Orgulho.