António Lima Martins fez parte da segunda turma de Direito da UMinho. Com 20 anos de experiência e milhares de casos arquivados, abriu um escritório que “procura fugir à massificação da advocacia”. Nesta entrevista, o advogado recorda a infância, a vida universitária, o processo judicial que mais o marcou, entre outros assuntos.
 
Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho?
Tive vários primeiros dias. A UMinho está presente na minha vida desde criança, tendo acompanhado a sua implantação no campus de Gualtar, a freguesia aonde residia. Aos 11 anos tive a minha primeira interação com a instituição aquando de uma visita organizada pelo meu professor de Ciências. Senti que estava num mundo à parte. Mais tarde, em 1986, assisti in loco ao lançamento da primeira pedra, pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva. Com 17 anos realizei as provas de acesso ao ensino superior no recentíssimo Complexo Pedagógico II, antes um campo de futebol onde jogara em miúdo. Recordo ainda a confirmação, no Complexo Pedagógico I, da minha colocação no curso de Direito. Foi um momento marcante que as palavras não explicam, o coração palpitava, a alegria era esfuziante [sorriso].
 
Ingressou na década de 1990 quando a licenciatura de Direito ainda estava a dar os primeiros passos. Como descreve esses primórdios?
Foi no ano de 1994, o segundo ano da licenciatura de Direito. Tudo era novidade, não só para os estudantes, mas também para todos os que faziam parte do então Departamento Autónomo de Direito [hoje, Escola de Direito]. A união entre as pessoas era mais forte e agregadora, pois todos sentiam que a sua parte no todo era essencial para o sucesso comum. Erámos pouco mais de 50 alunos, o que permitia a existência de uma grande camaradagem com os professores, sobretudo os “residentes”, que conseguiam saber e tratar-nos pelo nome próprio. Estes laços eram fortalecidos graças a iniciativas diversas, como viagens a universidades do país vizinho, comemorações do aniversário do curso…
 
Sempre quis exercer advocacia? De onde veio essa paixão?
Como muitos meninos, tive a fase da ilusão do futebol, depois veio o gosto pela História. A vontade de seguir Direito chegou aos 13, 14 anos. Não sei bem explicar porquê. A dada altura pedi à minha mãe um livro do Código Penal, que ainda guardo religiosamente. Comecei a lê-lo, a cogitar casos possíveis, a tentar entendê-lo à minha maneira – e o gosto cresceu, ganhou vida. Talvez esse Código Penal fosse uma das sementes. Ou talvez já existisse algo no meu inconsciente que o induzisse, como alguma misticidade que ficou do advogado e amigo dos meus pais que ia ser meu padrinho de batismo, o que não sucedeu devido à sua infeliz e antecipada partida deste mundo. O dr. Menezes era um advogado de sucesso que vivia em Lisboa e sobre quem cheguei a ouvir muitas histórias. A partir daí sempre vi o meu futuro ligado à advocacia, embora tenha também o bichinho da política, hoje até mais ativamente, sempre com alguma ligação ao direito, sobretudo como membro do Conselho Estratégico Nacional do PSD, no sentido de melhorar propostas e soluções na área da Justiça. Mas ser advogado sempre foi a minha paixão.
 

Esta academia foi a sua primeira opção?
Quando decidi seguir este caminho, em 1991, ainda não existia curso em Braga. A minha intenção era ir para Lisboa, por aí ter suporte habitacional e familiar. Eis senão quando, um ano antes de concorrer ao ensino superior, é lançada a licenciatura em Direito na UMinho! A felicidade foi brutal, concorrendo com a angústia de tentar entrar na minha renomeada primeira opção. O curso tinha notas de acesso elevadas e um número restrito de vagas [50]. Mas consegui! Hoje, permito-me dizer que comecei os meus estudos ao lado do local onde os terminei, porque a “minha” escola primária faz fronteira com o campus de Gualtar.

Ajudou a fundar a AEDUM – Associação de Estudantes de Direito da UMinho. Como correu o processo?
Todos os alunos dos cursos de 1993 a 1996 fizeram parte – em maior ou menor medida – desse projeto. Recordo-me de estarmos reunidos em assembleia constituinte, num auditório que a UMinho tinha na rua D. Pedro V, e de discutirmos artigo a artigo os estatutos fundadores da AEDUM. Foi uma experiência inolvidável e sempre assim seria, seja pela novidade, seja pela dificuldade de debatermos os alicerces de uma organização deste cariz. Era certamente a primeira vez para todos.
 
Que momentos deixaram mais saudades?
Para além da normal liberdade, dos sonhos e das ilusões que a idade permitia, recordo com saudade o convívio entre colegas, que se estendeu para além do meu ano devido às peculiaridades da licenciatura e à sua recente criação. As iniciativas realizadas no âmbito do próprio curso solidificaram a ligação entre colegas. O mesmo se pode dizer em relação aos professores. Não há como esquecer, por exemplo, as viagens às universidades de Corunha, Oviedo e Complutense de Madrid, que contribuíram muito para o reforço desta relação.
 
Depois de concluir o curso, como conseguiu singrar numa área profissional tão competitiva?
O curso foi o primeiro pilar para o sucesso – a exigência, também marca da entreajuda e solidariedade entre alunos e docentes, mostrou que todos eram poucos para impor o curso. Foi arrepiante ouvir o meu júri de agregação à Ordem dos Advogados elogiar, em plena prova, a excelente preparação dos diplomados da UMinho. Os demais pilares são a competência, sempre aliada à máxima honestidade, o constante aprimoramento e estudo, a primazia da transparência e sobriedade, face à sobranceria e o efémero, bem como a aposta na construção de uma relação com os clientes que perdure no tempo. O resto é trabalho e adaptabilidade.
 
O caso do “falso padre”
 
Exerce advocacia há 20 anos. Em que área se concentra mais?
Duas décadas permitem-me ter uma panóplia de competências transversais. De todo o modo, centro-me no contencioso, por razões de gosto, e na área criminal e empresarial, ultimamente com enfoque nas marcas. As áreas com maior incidência são as do trabalho e da família. E a área onde tenho mais experiência é a das expropriações, com milhares de processos contabilizados.
 
Já passaram por si e pela sua equipa milhares de processos e sentenças. Destaca algum caso que o marcou?
Já são muitos casos, a escolha é difícil. Destaco aqui o processo do “falso padre” [Agostinho Caridade], pelas particularidades da história e por se tratar da defesa de uma pessoa que fingia ser sacerdote. O caso foi alvo de grande mediatismo jornalístico e até de tratamento literário. Recordo-me de o arguido ter entrado na sala de audiências com ar derrotado e pouco crente num desfecho diferente de outros processos parecidos. Era o primeiro caso que me confiava. A acusação de furto e burla transformou-se numa condenação de três anos de prisão efetiva. Embora o arguido estivesse conformado com a decisão do tribunal, não deixei de lutar por evidente erro judicial. Depois de um primeiro recurso, foi anulado o acórdão, que voltou a ser confirmado mais tarde nos mesmos termos condenatórios. Voltamos a recorrer e conseguimos a absolvição total! Aí vi a gratidão espelhada nos olhos de uma pessoa que já não tinha fé...
 
Um novo escritório para fazer diferente
 
Mais recentemente lançou o escritório SJLM Advogados, em Braga. Em que aspetos se nota o seu caráter diferenciador?
O escritório que fundei há meio ano com a minha mulher Elisabete procura uma advocacia moderna que olhe para os resultados, sem esquecer os valores da ética e dos princípios fundamentais. Uma advocacia otimizada onde se "depositem" problemas com confiança e onde haja margem para uma mudança de horizontes, numa perspetiva e num contexto de globalização. Aliás, este projeto foi um empurrão do destino, que abracei sem receios por ser tão desafiante. Abriu-se uma porta para uma nova evolução e dimensão pessoais e profissionais, deixando para trás uma realidade já caduca e esgotada. Procuro fugir à massificação e industrialização da advocacia, que a torna mais um negócio do que uma solução para as pessoas. A advocacia merece uma nova dignidade que não se compra e onde as pessoas são mais do que processos. O escritório também tem apostado na internacionalização, mormente no espaço da lusofonia.
 
Como é o seu dia a dia?
O dia começa habitualmente em vestes de pai em acompanhamento da filha Carolina à escola. O trabalho vem logo a seguir e bem cedo, seja no escritório, seja no terreno – tribunais, outras entidades muito diversas e contacto essencial com pessoas e empresas. O dia termina no sossego e conforto do lar e da família. O lazer fica normalmente para os fins-de-semana (quando não há “trabalho de casa”) e para as férias, que são essenciais para viajar, fazer praia, ler um bom livro.
 
Os tribunais são a sua segunda casa?
A minha segunda casa é o escritório! Os tribunais são essenciais, mas apenas um dos locais em que exerço o meu trabalho e onde espero que se faça a justiça que é mister fazer-se!
 
Fora das salas de tribunal também faz voluntariado...
O voluntariado é algo que julgo essencial na vida e que pode viver-se de várias maneiras e entender-se de diferentes formas. Um cliente a quem não leve dinheiro a dada altura, em razão da sua carência, é uma espécie de voluntariado. Defendi, ademais – num artigo de opinião no “Diário do Minho”, em agosto de 2019 – que deve merecer incentivos e fomento. Continuarei a dedicar-me a projetos que entendo merecerem a minha disponibilidade. Assim o fiz e faço junto de algumas IPSS, ONG ou apenas em projetos sociais e de cidadania com os quais colaboro. Um deles é o Programa de Mentorias da UMinho, para o qual tive a honra de ser convidado como mentor.
 
E como avalia a sua experiência como mentor?
Desafiante e extremamente enriquecedora. Este projeto é uma ferramenta de desenvolvimento profissional que sedimenta uma nova matiz essencial para os estudantes e, consequentemente, para a Universidade. Há uma troca de competências transversais entre mentores e mentorandos, que concede a estes uma maior aptidão para enfrentar diversas situações profissionais, potenciando o crescimento pessoal e profissional. É nesta contínua busca por saídas inovadoras para a sua comunidade académica, com reflexos no mundo que a mesma vai integrar, que a UMinho implanta, dia após dia, as suas raízes dentro e fora dos seus muros. E é um orgulho participar nesta aventura. 
 
Que competências transversais considera indispensáveis para ser um bom profissional? E um bom advogado?
O essencial é a retidão e a seriedade.
 
Os gostos de António Lima Martins
 
Um livro. “Miguel Strogoff, o Correio do Czar”, de Júlio Verne.
Um filme. “O Advogado do Diabo”, de Taylor Hackford.
Uma música. “Something Stupid”, de Frank Sinatra.
Um clube. O meu sempre Sporting e o Club de Regatas Vasco da Gama, no Brasil, de quem recebi a Medalha de Honra ao Mérito Real.
Um desporto. Fórmula 1.
Uma viagem. Rio de Janeiro.
Um passatempo. Viajar.
Um vício. Ler.
Um prato. Cherne.
Uma personalidade. O médico José Tomás de Sousa Martins.
Um momento. O nascimento da minha filha e o sorriso da minha mãe.
UMinho. Alicerce.