Mestre e doutor em Psicologia da Justiça pela UMinho, Leonel Gonçalves trabalha desde 2014 na Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de Zurique, Suíça. Juízes, políticos e diretores prisionais baseiam-se nos seus estudos para adotarem medidas mais justas e eficazes.
 
Recorda-se do primeiro dia na UMinho?
Já foi há cerca de 20 anos. Por isso, não me recordo muito bem [risos]. Lembro-me vagamente de ter participado em atividades de integração e de me sentir um bocado perdido no campus de Gualtar. Fiz a licenciatura, o mestrado e o doutoramento na UMinho.

De que momentos guarda mais recordações?
Guardo boas recordações de vários momentos, desde as aulas e a época de exames até aos tempos passados com os amigos que fiz na UMinho, com quem ainda mantenho contacto. Se tivesse de eleger um “momento”, porém, seria o dia da defesa da minha tese de doutoramento. Senti-me orgulhoso por ter sido aprovado e concluir esse período de grande dedicação.

Quando surgiu o seu interesse pela psicologia e pelo estudo do ser humano?
Foi sobretudo no 12.º ano, durante as aulas de Psicologia. Achava fascinante o estudo do comportamento humano. Nunca me tinha sentido tão motivado para aprender. Sentia também que tinha vocação para essa área porque tinha a melhor classificação da turma, o que não acontecia noutras disciplinas.
 

“A melhor licenciatura do país”
 
A UMinho foi uma opção óbvia aquando da candidatura ao ensino superior?
Foi a minha primeira opção! A UMinho tinha a melhor licenciatura de Psicologia do país, com a nota mínima de admissão mais elevada ‒ quase 17 valores. Para além disso, sendo de Viana do Castelo, era das universidades públicas mais próximas, tornando as deslocações mais fáceis.

O que o fez enveredar pela psicologia forense?
No terceiro ano de curso tivemos aulas de Psicologia da Justiça. Achava os conteúdos relacionados com o crime e a violência interessantes. Recordo-me que na primeira aula consegui responder de forma intuitiva a várias questões colocadas pela professora Marlene Matos. Foi nesse dia que decidi enveredar pela Psicologia Forense. Quando comecei a licenciatura, imaginava-me mais a dar consultas.

Chegou a trabalhar numa prisão em Portugal. Como avalia a experiência?
Não trabalhei diretamente para os serviços prisionais em Portugal. Fiz voluntariado, estágio de mestrado e investigação de doutoramento em vários estabelecimentos prisionais, localizados no Norte e Centro do país. Tive contacto com muitos reclusos, guardas prisionais, técnicos superiores de reeducação, equipas médicas e diretores. Isso conferiu-me uma visão abrangente sobre o sistema prisional. Os conhecimentos ao nível das características dos reclusos e das prisões, da execução das penas privativas de liberdade, do sistema de informação prisional, entre outros assuntos, são importantes para a investigação. Aprende-se imenso no terreno. E isso moldou o meu interesse pela investigação em contexto prisional.

2014 foi um ano de grandes mudanças. Fez as malas e mudou-se para Zurique sem dominar o alemão. O que o levou até à Suíça?
Uma oferta de emprego! Durante o doutoramento, contactei por email o diretor da equipa de investigação do Departamento de Justiça e Assuntos Internos do Cantão de Zurique para lhe fazer uma pergunta sobre um estudo que ele tinha publicado e que eu queria incluir numa meta-análise sobre fatores associados às infrações disciplinares e ao uso de serviços clínicos nas prisões. Quando terminei a tese, voltei a contactá-lo para lhe perguntar se aceitaria ser meu orientador na candidatura a uma bolsa de pós-doutoramento na Universidade de Constança, na Alemanha, onde era professor. Foi aí que ele me falou de uma vaga de estagiário disponível para a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de Zurique, na equipa que ele dirigia. Reservei um voo e vim à entrevista de emprego. Assinei contrato no mesmo dia. Nunca tinha pensado viver neste país.

Passou de estagiário a investigador sénior em pouco tempo. Explique-nos o que faz concretamente.
Faço investigação científica relacionada com crimes violentos e sexuais, validação e desenvolvimento de instrumentos de avaliação do risco em ofensores, adaptação dos reclusos, ambiente prisional, reincidência no crime, entre outros temas. Neste momento, estamos a desenvolver vários projetos ligados à covid-19.

E gosta do que faz?
Sim, gosto de investigar, sobretudo nesta área.
 
Prisão é a melhor decisão? Depende.
 
Os estudos realizados têm aplicação prática?
Geralmente, os estudos que realizamos partem de uma necessidade específica exposta por outros departamentos da organização, pela própria ministra da Justiça ou por instituições externas com as quais colaboramos. Ou seja, as investigações visam responder às questões que nos são colocadas. Têm implicações práticas, uma vez que ajudam na tomada de decisão de diferentes profissionais responsáveis pelo tratamento dos ofensores, como polícias, terapeutas, diretores prisionais, juízes e políticos.

Ou seja, diria que os juízes e diretores prisionais se baseiam nos seus estudos para tomarem decisões judiciais mais justas e adotarem práticas correcionais mais ajustadas?
Sim. Pelo menos, esse é o objetivo principal. Infelizmente, nem todos os estudos acabam por ter tanta visibilidade e/ou aplicabilidade. Pretende-se, com isso, promover medidas que respeitam os direitos humanos das pessoas envolvidas no sistema penal. Outro objetivo é a sua reabilitação. Nesse sentido, contribuímos no desenvolvimento de métodos de avaliação e intervenção com ofensores, visando otimizar o seu tratamento. Em simultâneo, ajudamos a proteger a sociedade e a reduzir a reincidência no crime.

Há quem tenha dúvidas sobre o impacto positivo das prisões nos ofensores e respetiva “recuperação”. Qual é a sua opinião?
Infelizmente, essas dúvidas têm justificação empírica. De facto, diversos estudos indicam que a prisão não reduz a reincidência, sobretudo no caso de pessoas com um risco mais baixo, para as quais pode até ter um impacto negativo. Medidas alternativas à prisão tendem a ser mais produtivas nessas situações. Porém, a pena de prisão é uma medida necessária para os ofensores mais perigosos, tanto para promover a sua reabilitação como para proteger a sociedade. Para ofensores perigosos, a pena de prisão, sobretudo se incluir métodos de intervenção focados nos seus fatores de risco para o crime, tende a ter um efeito mais positivo. De facto, crimes violentos e sexuais são dos crimes com taxas de reincidência mais baixas.

Como descreveria o sistema judicial/prisional num mundo melhor?
A maior diferença está nos recursos financeiros. Isso reflete-se a vários níveis, da organização do sistema penal, passando pelas condições de vida e de trabalho nos estabelecimentos prisionais até ao investimento na reabilitação das pessoas. Por exemplo, um recluso custa ao Estado português, em média, menos de 50 euros por dia. O preço médio em Zurique é mais de quatro vezes superior. Além disso, existem atualmente 102 prisões ativas na Suíça. Em Portugal, embora a população seja maior, há menos de metade. Ao nível da reabilitação, ofensores diagnosticados com uma perturbação mental, e que correspondem à grande maioria, são obrigatoriamente sujeitos a terapia. Em Portugal, a disponibilidade de programas de intervenção é mais reduzida e o tratamento é menos estruturado e intenso. Outro aspeto interessante na Suíça é a existência de medidas terapêuticas específicas para ofensores considerados perigosos, que proporcionam programas de reabilitação focados nos fatores que conduziram ao crime, como o tratamento de distúrbios mentais, adições e problemas desenvolvimentais.

Há algum trabalho a desenvolver...
Sim. Nem todos os aspetos são positivos. Entre as principais críticas estão as condições restritivas de detenção durante a prisão preventiva, bem como o recurso à prisão perpétua (onde pessoas consideradas extremamente perigosas e intratáveis são permanentemente privadas da possibilidade de liberdade condicional) e à prisão por tempo indefinido (onde as pessoas, após cumprirem a pena, são mantidas sob custódia até serem consideradas reabilitadas). Estas condições têm sido consideradas uma violação dos direitos humanos por diversas organizações nacionais e internacionais.

Gosta de viver na Suíça? A adaptação foi fácil?
Sim, de forma geral. A natureza é fantástica, o país é muito limpo e organizado, as infraestruturas e os serviços públicos são ótimos, existe diversidade linguística e cultural e a qualidade de vida é superior à maioria dos países. Ainda assim, a adaptação não foi fácil. É difícil viver aqui sozinho. Não falar alemão foi uma grande dificuldade para compreender os documentos oficiais e comunicar com os nativos. Além disso, as pessoas tendem a ser mais reservadas do que em Portugal, o que torna difícil fazer amigos. O suporte social reduzido foi o maior entrave.

Como é viver nesse país em tempos de pandemia?
As medidas preventivas adotadas são similares às da maioria dos países europeus. Porém, a Suíça é atualmente um dos países com mais casos de covid-19 per capita e, por isso, têm sido impostas mais restrições ultimamente. O isolamento que temos vivido, de forma mais ou menos exacerbada, durante quase um ano tem afetado o bem-estar das pessoas. No meu caso, torna-se ainda mais difícil por estar no estrangeiro.

Pretende regressar a Portugal?
Sim, gostaria de regressar dentro de alguns anos e contribuir para este país que tanto investiu em mim, através de bolsas e subsídios. Adorava fazer investigação e lecionar Psicologia Forense e/ou Criminologia. Infelizmente, as vagas são poucas. Como tal, não tenho um plano definido.
 
Fã incondicional de Dexter e do FC Porto
 
Um livro: “Thinking, Fast and Slow”, de Daniel Kahneman.
Um filme: “O Silêncio dos Inocentes”, de Jonathan Demme.
Uma série: “Dexter”, do realizador James Manos Jr.
Uma música: “Intro”, da banda britânica The XX.
Um clube: FC Porto.
Um desporto: Futebol.
Uma viagem: EUA.
Um passatempo: Pescar.
Um vício: Cozinhar.
Um prato: Boeuf bourguignon.
Uma personalidade: Barack Obama.
Um momento: Defesa da tese de doutoramento.
UMinho: Desenvolvimento.