Phillipe Vieira escreveu o destaque do nº 1 do NÓS, logo após o mestrado em Ciências da Comunicação. Esteve na SIC e CNN, onde cobriu presidenciais e ataques terroristas. É produtor na GBH, em Boston. Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho?Sim, foi em setembro de 2004. Passei o dia em apresentações na sala de aula, no campus de Gualtar, e em atividades de integração no exterior.
A academia minhota foi a sua primeira opção? E o curso de Ciências da Comunicação?Sim e sim.
O “objetivo” era ser jornalista?Sim. Bem, na realidade, quando era mais novo queria ser jogador de futebol do Benfica [risos]. Mas, quando percebi que não chegaria a futebolista profissional, resolvi apostar no jornalismo como forma de fazer uma carreira ligada ao desporto. Ao chegar à UMinho, a intenção era seguir jornalismo desportivo. Fui mudando de ideias ao longo do curso.
Que momentos marcaram essa passagem? Felizmente, conheci pessoas fantásticas com quem vivi momentos muito especiais. Desde logo, com o meu grupo de amigos do curso, composto por Pedro Romano, Rui Passos Rocha, Alberto M. Teixeira, Marcos Sabino, Alberto J. Teixeira e Carlos “Tricky” Ferreira, fundei uma equipa de futsal - "
Os Coxos FC". Juntos participámos em inúmeros torneios e jogos amigáveis, incluindo uma rivalidade feroz com a equipa dos professores de Comunicação Social, o “We Shall See FC”. Posteriormente, começámos a organizar o Torneio Moisés Martins, uma homenagem ao nosso grande professor de Semiótica. Criámos também o grupo de música “The Codice” e demos alguns concertos... intimistas! [risos]. Com eles e outros colegas de curso fiz parte da direção do jornal "
ComUM" e da equipa que relançou a edição em papel. Foi uma grande experiência. Também cheguei a fazer parte da direção do "
Jornal Académico". E isto para não falar nas noites académicas, nos jantares de curso e, naturalmente, no Enterro da Gata. Boas memórias!
Resumindo, a Universidade é muito mais do que a sala de aula.Muito mais! Olhando para trás, diria que tudo aquilo que fiz fora da sala de aula acabou por ser tão importante quanto tudo aquilo que aprendi dentro da sala de aula. Julgo que a Universidade nos oferece um conjunto enorme de possibilidades para crescermos e muito desse amadurecimento é feito num contexto extracurricular.
Esteve na génese do programa “1 Minuto de Economia”
No final do curso começou a trabalhar na SIC, em Lisboa. Como foi esse primeiro contacto profissional?
Tinha acabado de deixar a cidade de Manchester [Reino Unido], onde vivi durante uns meses como estudante Erasmus, passei uma curta temporada em Braga e fui, de seguida, para Carnaxide. Realizei um estágio curricular na SIC durante seis meses, de julho a dezembro de 2008. Fiz um pouco de tudo: agenda, online, desporto, economia, reportagens... No meu tempo, o curso não tinha uma grande componente televisiva. Por isso, a minha primeira grande escola ao nível de televisão foi mesmo a SIC. As coisas correram bem e, após o estágio, foi-me feita uma proposta para ficar. Embora o meu plano fosse regressar para terminar a tese de mestrado, acabei por aceitar.
Acabou por deixar lá a sua marca...
Tive uma oportunidade que (quase) nenhum recém-licenciado tem: ajudar a desenvolver um conteúdo de raiz. Estávamos em 2008, a crise das bolsas fazia manchetes em todo o mundo e a SIC queria desenvolver um mini-noticiário de Economia para ir para o ar entre as novelas da noite. A ideia era dar as principais notícias de economia do dia em apenas um minuto. Daí o nome: “1 Minuto de Economia”. Quando o projeto me veio parar às mãos existia um conceito, mas pouco mais. Desenvolvi, com colegas do grafismo, uma identidade visual para o programa, bem como uma estrutura editorial. O programa foi lançado a 1 de abril de 2009 – parece mentira, mas é verdade. Uma curiosidade: os meus editores na altura, José Gomes Ferreira e Luís Ferreira Lopes, achavam que eu não estava pronto para ler os meus textos em direto. Por isso, no início, quem os lia era o Alberto Fragoso, outro ex-aluno da UMinho. Outra curiosidade: naquela época, quatro dos seis jornalistas da editoria de economia da SIC eram licenciados pela UMinho.
O ano 2011 foi de grandes mudanças. Com o país em crise, decidiu emigrar. Conseguiu um lugar de edição na CNN, em Atlanta, EUA.
Esse foi um ano difícil. A situação em Portugal complicava-se e achei que o melhor para mim era deixar o país. Nasci nos EUA e sou cidadão americano, o que me dava algumas facilidades para cá trabalhar. A economia americana encontrava-se numa fase mais avançada da recuperação pós-crise. Tive uma entrevista na ESPN [Entertainment and Sports Programming Network] e outra num canal local de Boston [Massachusetts], mas assim que a possibilidade de ir para a CNN apareceu não quis pensar noutra coisa. Era certo que nunca jogaria no Benfica, mas podia pelo menos fazer parte do maior canal de notícias do mundo! [risos] E isso incentivou-me a aceitar a proposta e mudar-me para Atlanta, cidade que não conhecia. Comecei por fazer edição de áudio e vídeo e traduções de peças de inglês para espanhol. Também fazia muito trabalho freelance com a equipa de desporto, que valorizou o meu jeito para produção. Comecei a trabalhar mais com eles e a desenvolver o gosto por fazer alinhamentos, criar grafismos, coordenar equipas de produção…
Gosta?
“Montar” um noticiário é uma arte, tal como escrever um livro ou gravar um disco. Cada peça é um capítulo e cada capítulo tem de contribuir para a história que queremos contar. Um bom noticiário faz-nos pensar, emociona-nos, mas também nos faz rir. Tem de tudo! Comecei a gostar muito de escrever os textos do pivô, acertar entrevistas, coordenar com as nossas equipas de reportagem no terreno, fazer as ligações por satélite. Em sete anos fui promovido várias vezes. Após aquele primeiro ano, entrei para os quadros e pouco tempo depois assumi a função de produtor da CNN Internacional. Trabalhar com jornalistas como Christiane Amanpour, Hala Gorani, Michael Holmes, Jonathan Mann, entre outros, foi a concretização de um sonho profissional. Cheguei a cobrir em direto ataques terroristas, os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, as eleições dos EUA de 2016... Enfim, uma série de experiências marcantes e uma fase da minha vida que recordo com carinho.
Foi fácil adaptar-se ao país e à forma de fazer televisão/jornalismo?
Sim. O facto de ter nascido nos EUA e de ter continuado a seguir a realidade norte-americana desde Portugal ajudou-me muito no processo de integração. A forma como se faz televisão não é muito diferente, mas no que toca ao jornalismo existem algumas orientações e normas deontológicas que tornam o exercício da profissão ligeiramente distinto.
O que faz agora em termos profissionais?
Em 2017 deixei Atlanta e voltei para Boston, onde sou produtor sénior no maior canal de televisão pública dos States, GBH.
Como é a sua vida fora do trabalho?
Treinava uma equipa de futebol juvenil, mas está tudo suspenso por causa da covid-19. Comecei agora a desenvolver um podcast dedicado ao futebol com amigos de infância. De resto, ouço muita música e vejo filmes e séries. E passo tempo com a minha filha de 2 anos.
“Existe desigualdade no acesso ao sonho americano”
Como olha para os EUA do pós-eleições?
Estamos num momento crítico. Estas eleições, embora tenham resultado num claro vencedor, revelaram muita divisão no país. O processo de transição será um teste tremendo às instituições democráticas americanas e a sobrevivência do Estado de Direito depende do triunfo das mesmas.
Diz-se que os EUA são o país das oportunidades. Concorda?
Deu-me oportunidades e experiências que não teria tido em Portugal. Estou profundamente grato aos EUA, país pelo qual tenho imenso carinho. No entanto, tenho plena consciência de que se trata de um país profundamente desigual. Existe desigualdade no acesso ao ensino e à saúde. Existe desigualdade no acesso ao sonho americano. Existem fortes assimetrias entre o mundo urbano e rural. Existe racismo e xenofobia. E (quase) todos os problemas sociais que temos resultam da desigualdade e do preconceito. Nos EUA, existem praticamente dois países em profunda contradição um com o outro a tentarem coexistir. E a falência da verdade, isto é, a nossa incapacidade coletiva para nos colocarmos de acordo sobre o que é real e factual, torna impossível que esses dois blocos cheguem a qualquer tipo de compromisso.
Pretende regressar a Portugal?
Sim.
Ainda mantém ligação aos colegas da Universidade?
Sim! Falo regularmente com os meus amigos Coxos.
Chegou a colaborar na redação das primeiras edições deste jornal. Ser escolhido para a rubrica “Percurso” deste número especial é uma sensação de missão cumprida?
Lembro-me muito bem da primeira edição e da entrevista que fiz ao professor Rui L. Reis. A minha missão está longe de estar cumprida – sou ainda um rapaz novinho! [risos] Recebi o convite para esta entrevista de percurso com imenso carinho e fiquei feliz por sentir que a minha universidade não se esqueceu de mim.
As preferências de Phillipe Vieira
Um livro. “Os Maias”, de Eça de Queirós.
Um filme. “O Padrinho”, de Francis Ford Coppola.
Uma música. “Wish you were here”, dos Pink Floyd.
Um clube. Os Coxos (e o Benfica, vá).
Um desporto. Futebol.
Uma viagem. Açores.
Um passatempo. Música.
Um vício. Chocolate.
Um prato. Arroz de pato feito pela minha mãe.
Uma personalidade. Nelson Mandela.
Um momento. O nascimento da minha filha.
UMinho. Amizade.