Mestre em Linguística e doutorada em Engenharia, criou aos 37 anos a plataforma de inteligência artificial DefinedCrowd, considerada uma das 30 tecnológicas que mais têm crescido nos EUA.
 
Recorda-se do primeiro dia na UMinho? E em Braga?
Não me lembro do primeiro dia no mestrado, mas recordo-me que ia à quinta e sexta-feira para Braga e gostava imenso! Adorava a camaradagem que existia. Os professores eram “gente boa” e tinham perspetivas diferentes daquelas que tinha tido na Universidade do Porto. Tenho saudades daqueles tempos!
 
Já tinha realizado a licenciatura em Letras e decidiu prosseguir com um mestrado em Linguística na UMinho. De onde vem essa paixão pelas letras?
Desde tenra idade. Aos 10 anos, já lia obras de Eça de Queiroz e de Júlio Dinis.
 
Porquê a UMinho?
Não queria fazer a licenciatura e o mestrado na mesma universidade. Acho que fazer todo o percurso académico na mesma instituição não contribui para a diversidade de conhecimento. Na altura, estava a trabalhar no Porto e a dar aulas na Escola Superior de Educação. O curso de Linguística na UMinho pareceu-me ser uma ótima escolha. O programa curricular era muito interessante e continha uma forte componente interdisciplinar.
 
Na altura queria ser crítica literária. Chegou a concretizar parte desse sonho?
Durante a licenciatura, escrevi vários artigos e ensaios literários e fiz apresentações e críticas de obras e autores. Tive ainda a oportunidade de conhecer escritores incríveis, como Eugénio de Andrade, e de estar em casa de José Saramago. Ou seja, consegui realizar parte do meu sonho [risos].
 
Depressa enveredou para a área tecnológica. Até fez um doutoramento em Linguística e Engenharia – uma parceria entre as universidades da Corunha, do Minho e Federal do Rio Janeiro. Como se deu essa viragem na sua vida?
Aconteceu de forma natural e logo no início. Depois da licenciatura, consegui uma bolsa da Universidade do Porto para investigar a interseção entre a linguística e a engenharia. Nunca mais larguei esta área! O doutoramento foi o caminho natural. Defendi a tese em 2008, trabalhava na área há oito anos.
 
Que desafios vieram a seguir?
Em 2006 fui convidada pela Microsoft, para me juntar à equipa de Lisboa. Foi muito importante para a consolidação da minha carreira. Foram sete anos de grande aprendizagem e de muitas viagens profissionais pelo mundo. Fiquei responsável pela expansão dos modelos em 26 línguas e fizemos todo o front-end em Lisboa. A minha ida para a China através da empresa foi outro grande marco, mais do ponto de vista de crescimento pessoal e de oportunidade profissional. Mudar-me para os EUA não estava nos planos, mas aqui vim parar [risos]. Lembro-me de me ter sentido logo em casa. Depois da Microsoft, cheguei a trabalhar dois anos na tecnológica VoiceBox Technologies. Enquanto na primeira aprendi como trabalhar à escala global, na segunda aprendi tudo o que não se deve fazer numa empresa mais pequena. Além disso, consegui desenvolver mais a área de crowdsourcing ligada a dados.


Gere uma equipa de 250 colaboradores
 
E como surgiu a startup DefinedCrowd?
É uma empresa de dados de treino para Inteligência Artificial (IA). Foi fundada em agosto de 2015 para colmatar a ausência no mercado de uma estrutura que fizesse o cruzamento entre crowdsourcing, speech tecnhologies, natural languages process e machine learning. Não existia nenhum serviço semelhante à escala global. A empresa está sediada em Seattle, tem centros de investigação e desenvolvimento em Lisboa e Porto e um escritório de vendas em Tóquio.
 
O que fazem concretamente?
Recolhemos, estruturamos e enriquecemos conjuntos de dados para IA que ajudam as companhias a terem os produtos prontos para o mercado com maior rapidez e qualidade, combinando técnicas de machine learning (aprendizagem automática) com human-in-the-loop (modelo que requer interação humana).
 
Esta mudança de área profissional levou-a a adotar uma nova mentalidade?
Foi uma mudança imediata. É muito diferente trabalhar nas áreas das humanidades ou das engenharias. Por norma, os engenheiros são menos presos a políticas, são mais pragmáticos e mais focados em resultados. Para mim, foi uma lufada de ar fresco. Tem muito mais a ver com a minha maneira de ser.
 
A empresa foi recentemente considerada uma das 50 startups de IA mais promissoras do mundo e conseguiu na última ronda de investimento mais de 50 milhões de dólares. Foi uma evolução muito rápida. A que se deve esse sucesso?
Deve-se a muito trabalho, resiliência, perseverança (“nunca aceites um não como resposta”) e ao apoio de uma equipa fantástica. As ideias são importantes, mas também é preciso contar com uma boa equipa e um plano de execução eficaz para se conseguir alcançar os objetivos pretendidos. Não o podia ter feito sozinha.
 
Como é liderar uma equipa de mais de 250 pessoas em três continentes?
Não é fácil, mas sempre trabalhei assim. Já quando estava na Microsoft trabalhava da mesma forma, de manhã, tarde e noite, conforme os três fusos horários.
 
Venceu há um ano o Prémio João Vasconcelos – “Empreendedor do Ano”. O que representa para si este galardão?
É uma grande honra, sobretudo pela pessoa que foi o sr. João Vasconcelos [antigo secretário de Estado da Indústria] e pelo facto de ser atribuído a uma mulher. Não há muitas mulheres a trabalhar nas áreas STEM – Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática e a assumir cargos de chefia e visibilidade. Nem nos EUA. É uma responsabilidade enorme representar bem este papel. Mais recentemente fui selecionada pela consultora Ernst & Young como um dos melhores empreendedores da costa oeste norte-americana.
De que forma adquiriu essas competências ligadas ao empreendedorismo e à liderança?
Foram adquiridas com o tempo! É sempre mais fácil apostar num second-time entrepreneur, mas a verdade é que a maior parte dos empreendedores de sucesso está a fazer o percurso pela primeira vez. Isto aprende-se com o tempo e resulta de uma grande capacidade de adaptação e flexibilidade. Também é importante saber ouvir os outros.
 
Gosta de viver nos EUA?
Sim! Apesar de ter muitos problemas, os EUA continuam a ser, na minha perspetiva, a terra da liberdade e do respeito pela individualidade e pelo sucesso. Aqui, senti-me a desabrochar como pessoa e deixei de ter amarras à minha volta. Certamente que não teria a mesma perceção se estivesse a morar em algum Estado do interior dos EUA.
 
Pretende regressar a Portugal?
Não está nos meus planos.
 
Esta é a vida que imaginava ter?
Também não! Nem sequer me passava pela cabeça [risos]!
 
Ainda mantém ligação com colegas da UMinho?
Infelizmente, perdi o rasto de quase toda a gente. Mantenho apenas o contacto com os professores Aldina Marques e José Teixeira, do Instituto de Letras e Ciências Humanas.
 
Curiosidades
 
Um livro. “Os Maias”, de Eça de Queiroz.
Um filme. “Kill Bill”, do realizador Quentin Tarantino.
Uma música. Chillout de Café del Mar.
Um clube. Futebol Clube do Porto.
Um desporto. Qualquer desporto aquático.
Uma viagem. Brasil.
Um passatempo. Ler um livro.
Um vício. Estar com amigos todas as semanas.
Um prato. Polvo à lagareiro.
Uma personalidade. O médico indiano Deepak Chopra.
Um momento. A primeira vez que subi ao palco da TechCrunch Disrupt, uma conferência anual sobre tecnologia.
Um lema. “Always appear bigger than you are”.