Formado em Engenharia de Polímeros pela UMinho, o bracarense de 57 anos é administrador da Estamparia Adalberto e presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, que agrega 500 empresas.
 
Recorda-se do primeiro dia na UMinho?
Claro que sim! Foi em setembro de 1980. O ambiente era acolhedor, amigável e muito familiar. E isso fazia sentir qualquer pessoa bem. Nos primeiros dias houve algumas brincadeiras. Voltamos às situações clássicas da aula dada por alguém que nada tinha a ver com a docência [risos]. Foi muito divertido!

A “academia minhota” foi a sua primeira opção?
Escolhi a UMinho por ser uma universidade nova, por ser bracarense, por alguma influência familiar e, principalmente, porque sabia que existia lá um curso sobre um material inovador [polímeros], que se suspeitava que fosse abrir portas em termos de investigação e aplicabilidade. E isso fascinou-me! Foi essa combinação de fatores que me levou a optar pela UMinho.
 
A UMinho estava nos seus primórdios. Como foi estudar numa das “novas” universidades portuguesas que entraram em funcionamento logo a seguir ao 25 de abril?
A UMinho era muito recente e as turmas eram pequenas. Em Engenharia de Polímeros éramos nove pessoas, só rapazes. Os primeiros dois anos da licenciatura decorreram em Braga, o restante curso foi lecionado no Palácio Vila Flor, em Guimarães. No total, devíamos ser algumas centenas de alunos. Nada que se compare com aquilo em que a Universidade se transformou nos anos seguintes. A UMinho cresceu rapidamente e isso prova bem a qualidade dos seus docentes e dos seus cursos.
 
Da aprendizagem adquirida durante a universidade, o que se revelou mais importante?
A capacidade de conseguirmos solucionar problemas distintos daqueles que estamos habituados a resolver. Sabermos que, se estudarmos o assunto, conseguimos resolver. Esta confiança e a capacidade de conseguir resolver os problemas foram das ferramentas mais valiosas que trouxe para a vida. 
 
O que deve fazer um recém-formado para construir uma carreira?
Do lado da indústria, estamos continuamente à procura de profissionais capazes de chegar a uma organização e identificar o que pode ser melhorado. Ou seja, pessoas que conseguem encontrar oportunidades de melhoria, propor-se estudar problemas e dificuldades e encontrar soluções ajustadas. Sou adepto da melhoria contínua. A quantidade de oportunidades em que se pode fazer melhor no trabalho é enorme. Temos que estar muito bem treinados e essa foi uma das situações que demorei algum tempo a entender. Senti que a Universidade não me preparou tão bem para essas situações. Por norma, aprendemos a resolver problemas que nos são dados e não a procurá-los. Uma organização ser capaz de encontrar oportunidades de melhoria em termos de produtos, processos e mercados faz toda a diferença em termos de futuro. E as que não conseguirem adaptar-se vão ficar para trás.
 
Essa capacidade de detetar e resolver problemas não se desenvolve com a experiência?
Depende. Uma pessoa sem experiência que chega a uma organização vê mais facilmente oportunidades de melhoria do que os colegas que lá estão há anos. Ver com olhos novos faz muita diferença. Os alunos deveriam ser mais estimulados não só a resolver os problemas, mas também encontrar onde estão. 
 

Fez toda a diferença ao criar software de custeio para a empresa
 
Foi fácil encontrar trabalho depois do curso concluído?
Ingressar no mercado de trabalho era relativamente simples. Havia muita procura pelos alunos da Universidade, como hoje ainda existe na maioria dos cursos. Conhecia pessoas que trabalhavam na área do mobiliário, mas acabei por ingressar no setor têxtil, por motivos familiares e pessoais. Não era um trajeto que pensava vir a seguir. Aliás, faz-me lembrar um livro muito interessante do escritor Nassim Taleb sobre a importância do acaso nas nossas vidas. Valorizamos pouco o acaso nas nossas vidas. O que aprendi nas cadeiras de programação e engenharia de produção fez toda a diferença para o meu início de carreira. Mal cheguei à Estamparia Adalberto, construí um programa capaz de atualizar os custos hora/máquina, porque percebi que os preços praticados podiam não estar adequados aos custos da organização. Foi comprado nessa altura, em 1985, o primeiro computador da empresa, no qual programei todo o sistema de custeio. Demorei dias a fazê-lo [risos]! Passei a ter os custos atualizados ao segundo. O trabalho manual que demorava semanas a fazer começou a ser mais rápido. Naquela altura, as taxas de inflação variavam anualmente entre os 20% e os 25%. Quem não tivesse um sistema de custeio adequado às alterações do custo de produção tinha uma desvantagem competitiva enorme. O nosso software permitiu-nos saber quanto se gastava na produção e isso só foi possível graças a um ex-aluno da UMinho que se propôs automatizar cálculos de custo hora/máquina.
 
Conseguiu fazer logo a diferença...
Nesse âmbito sim, mas a Estamparia Adalberto já era uma referência no setor.
 
O grupo é um dos líderes europeus na arte de estampar tecidos e vende todos os anos cerca de 10 mil quilómetros de tecidos nos cinco continentes.
Sempre fez parte do nosso ADN criar produtos com caráter inovador. Em Portugal, fomos pioneiros no tratamento de malhas. A maior parte das empresas de tinturaria e estamparia trabalhava apenas com tecidos. Se olharmos, hoje, para as exportações nacionais, o item mais vendido no setor têxtil são as malhas. Ou seja, a Estamparia Adalberto teve a capacidade de identificar as tendências do futuro e adaptar-se àquilo que seria a evolução e a procura do mercado. Há 20 anos foi, também, a primeira na Europa a fazer impressão digital e hoje é uma das empresas líderes a nível mundial na tecnologia de impressão que utiliza. A empresa tem vindo a atualizar-se de forma a manter-se no estado da arte em termos tecnológicos, para assim conseguir responder às necessidades e à procura do mercado ao nível da inovação, diversidade e design. Orgulhamo-nos por ter conseguido manter este ADN nos últimos 50 anos. O sucesso de uma organização durante dois ou três anos é relativamente fácil, mas durante dezenas de anos é outra coisa [risos].
 
E com muita concorrência pelo meio...
Exatamente! No final da década 1990, a Organização Mundial do Comércio liberalizou os mercados com novos acordos. Imaginemos um campo de batalha em que as várias indústrias têm os seus mercados “entrincheirados”, ou seja, protegidos. Com aquelas medidas, as organizações ficaram “sem trincheiras” e tiveram de começar a competir em campo aberto com todo o tipo de indústria a nível mundial. Foi um período de grandes transformações. Quando a China entrou neste mercado, no final dos anos 1990, valia 2% das exportações mundiais, hoje vale 45%. Há poucas indústrias a terem sofrido alterações tão dramáticas.
 
Isso obrigou o setor têxtil a acompanhar a corrida de forma mais estratégica?
A indústria teve de se adaptar às novas condicionantes. A têxtil portuguesa bateu os seus recordes de exportação em 2019, algo que não acontecia desde 2001. As empresas nacionais desenvolveram um grande trabalho para se tornarem mais inovadoras, rápidas e criativas e para oferecerem serviços com elevada qualidade. Esta variedade de componentes permitiu ao setor ser um player importante na Europa. Pesamos pouco a nível mundial, mas temos uma excelente posição a nível europeu.
 
“Pensar que a indústria é menos atrativa para construir carreira é um erro enorme”
 
Há um ano foi eleito presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), que representa mais de 500 empresas. Como tem corrido?
É uma responsabilidade enorme, porque o setor têxtil tem muita importância na economia nacional. Representa cerca de 20% da indústria transformadora. Vivemos num país e num continente em que parte dos políticos pensa que a indústria é menos sexy em termos económicos do que o turismo. Na Europa, o país [Alemanha] com melhores indicadores económicos é o mais industrializado. Pensar que a indústria é menos atrativa é um erro brutal e tem implicações diretas na qualidade de vida dos cidadãos. Lamento que o poder político não olhe para a indústria como um bem precioso que precisa de ser alimentado, acarinhado e incentivado, porque é (mas pode ser ainda mais!) o elemento diferenciador do crescimento e da sustentabilidade económica do país. Enquanto presidente da ATP, tenho procurado transmitir ao poder político que as leis são o fator fundamental para que um país consiga crescer industrial e economicamente. Não são as pessoas que fazem a diferença, mas sim as leis sob as quais são governadas. As leis portuguesas são pouco amigas e incentivadoras da iniciativa privada e das pessoas que procuram oportunidades na indústria. Segundo dados do World Economic Forum, Portugal está na 36.ª posição das nações mais competitivas a nível mundial, quando deveria estar no top 10. As leis atuais impedem-nos de termos mais crescimento económico e, com isso, um melhor sistema de saúde e um melhor sistema de ensino. O meu trabalho é convencer os políticos da importância das leis na criação de riqueza.
 
Quais têm sido os principais desafios?
O meu principal desafio é fazer com que Portugal seja mais competitivo para a indústria. O que for bom para a indústria é bom para o país, o que for bom para o setor têxtil é bom para Portugal. Ao nível da Euratex, organização que representa o setor a nível europeu, e da qual faço parte, temos trabalhado no sentido de ajudar os eurodeputados a perceberem a importância da indústria.
 
No plano estratégico do setor para 2025, a ATP referiu que queria colocar a indústria portuguesa na liderança mundial em produtos de nicho e de gama alta. Isso passa pela aposta na inovação e na qualificação dos funcionários?
Hoje já conseguimos prever, a médio e longo prazo, o que vai acontecer em termos demográficos. As pessoas que trabalham na indústria têxtil têm uma idade média elevada e uma escolaridade baixa. Se olharmos para a indústria no geral, Portugal é o país europeu em que os trabalhadores dos setores produtivos têm a escolaridade mais baixa. É também o que tem menos licenciados nessas áreas. Para aumentar o número de pessoas qualificadas no ramo, é preciso apostar em produtos de maior valor acrescentado, para se conseguir pagar salários mais elevados. Os salários estão ligados à produtividade e ao valor acrescentado. Este é o cenário para o futuro do setor e as empresas já estão a trabalhar nesse sentido, investindo em inovação.
 
Considera que a UMinho - a única universidade no país com formação em Engenharia Têxtil - é um parceiro relevante neste processo de rejuvenescimento?
Há cerca de 10 anos, o curso de Engenharia Têxtil da UMinho passou por uma fase menos boa, em que havia poucos candidatos. Era verdade que o setor estava a sofrer um ajustamento profundo, mas continuavam a existir boas empresas com excelentes oportunidades. E essa perceção não estava a ser transmitida. Criou-se uma imagem muito negativa do ramo que não correspondia à realidade. Na ATP, defendemos que um setor industrial que não é capaz de atrair jovens talentos dificilmente consegue sobreviver a prazo. Foram realizados na altura vários programas a nível nacional para mostrar o que de melhor se fazia no setor. Hoje fico muito satisfeito em constatar, falando com alguns colegas da UMinho, que o curso de Engenharia Têxtil é dos mais procurados. Isso mostra que o trabalho realizado resultou e corresponde ao que realmente é o setor têxtil em Portugal.
 
Ainda mantém ligação com colegas da UMinho?
Tenho de reconhecer que, por motivos profissionais, a disponibilidade para estar com amigos não abunda. Comecei recentemente a participar no Encontro Caixa Alumni, que é uma excelente iniciativa para rever os colegas, reviver os bons tempos da universidade, trocar experiências e restabelecer contactos perdidos.
 
De Pink Floyd a Mozart
 
Um livro. “Iludidos pelo Acaso”, de Nassim Nicholas Taleb. Quem não investir várias horas por semana a ler ou a formar-se sobre alguma coisa não vai conseguir ser bom o suficiente para ser um profissional de excelência.
Um filme. “O Resgate do Soldado Ryan”, de Steven Spielberg, e "1917", de Sam Mendes. Fico sempre impressionado com filmes de guerra que mostram a capacidade do ser humano em sacrificar a vida por uma causa e pelas pessoas.
Uma música. Fui muito marcado por algumas músicas dos Pink Floyd, mas ouço cada vez mais música clássica. Acho que as melodias de Mozart fazem-nos flutuar. Ouço-o sempre que viajo de avião e faço umas viagens deliciosas [risos].
Um clube. Não sou muito adepto de futebol. Mas acho que os clubes têm um papel importante, porque permitem às pessoas sentir um conjunto variado de emoções por um preço acessível.
Um desporto. Gosto de praticar ténis. Às vezes acerto na bola [risos]!
Uma viagem. Adorei Florença, por ser uma cidade em que o Renascimento está presente em todo o seu esplendor. Todas as viagens que me permitem aprender um pouco de História são interessantes.
Um passatempo. Sou um viciado nas TEDs [conferências]. Acho que é uma fonte de informação multidisciplinar interessantíssima.
Um vício. Aprender coisas novas.
Dois pratos. Arroz de cabidela e arroz de lampreia.
Duas personalidades. Frederick Taylor, o grande percursor das cadeias de produção e do estudo da produtividade. Deu-nos a metodologia para criar riqueza na produção. Há outra pessoa que também fez a diferença. Chama-se Deng Xiao Ping e conseguiu em pouco mais de uma década tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza. Duas individualidades pouco reconhecidas pelo que fizeram.
Um lema. A melhoria contínua.
UMinho. Onde despertei para a verdadeira importância da aprendizagem e do conhecimento. Onde descobri que podia aprender o que gostava.