Sara Rodrigues é de Barcelos, tem 37 anos e há quase uma década que está do outro lado do mundo, no Oriente, a mais de 10 mil quilómetros de distância, primeiro na China continental e depois em Macau, a ensinar Português. Formada na Universidade do Minho, onde se licenciou em Estudos Portugueses e Lusófonos e completou o Mestrado em Ciências da Linguagem (linguística portuguesa), dá aulas num colégio internacional em Macau, onde criou o primeiro Centro de Exames Camões Júnior na Ásia, um exame progressivo de certificação online e destinado a adolescentes dos 12 aos 17 anos. Admite que a adaptação a um mundo tão diferente foi difícil, mas hoje, com um filho já nascido em Macau, não se imagina a voltar a Portugal tão cedo. Mas o país está sempre presente, até porque – e cita Fernando Pessoa – a sua Pátria é a Língua Portuguesa.

Natural da freguesia de Manhente, em Barcelos, Sara Rodrigues acabou por aterrar na China, de “uma forma fluida”. “As coisas foram acontecendo naturalmente. Soa estranho, pois vim parar à China, mas foi mesmo assim”, conta a O MINHO.

Primeiro, foi para a China continental no âmbito da investigação do mestrado, em Ciências da Linguagem, que tinha como tema “a aquisição do português por falantes nativos chineses”. “Vim para Hangzhou – uma cidade perto de Xangai, na minha opinião uma das cidades mais bonitas da China, como professora leitora de Português Língua Estrangeira na ZISU (Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang), depois decidi ir mais para Norte e fui parar a uma cidade em que as temperaturas negativas chegam quase aos -30 graus Celsius, fiquei lá um ano letivo, a trabalhar na Jillin University”, recorda.

“Nessa altura, em 2016 comecei a ter mais interesse em vir para Macau. Em julho de 2016, estava a caminho do aeroporto para ir de férias de verão a Portugal e ia com muita fé que ia aparecer alguma oportunidade para trabalhar em Macau. E que viagem, quase digna de entrar no preâmbulo do livro ‘A Peregrinação’, de Fernão Mendes Pinto, 49 horas de viagem, saímos de casa numa sexta e chegámos ao Porto num domingo, apanhámos todos os meios de transporte possíveis, carro, barco, comboio, riquexó e avião, quatro países, tudo com o objetivo de chegar a tempo de ver a Seleção Portuguesa de futebol a ganhar o Europeu de 2016. Chegámos mesmo no momento de nos juntarmos aos amigos e à família para cantar A Portuguesa”, conta Sara Rodrigues.

A vitória foi dupla: “Chegámos a tempo da final, da merecida taça e, no meio disto, apareceu Macau! Vi uma vaga para professor/a de Português Língua Estrangeira no IPOR e decidi candidatar-me. Fiquei com lugar. Tinha a viagem comprada de volta para Changchun, mas o meu destino era agora Macau”.

“Os 10 mil km de distância foram muito sentidos”

Sara Rodrigues, que embarcou nesta viagem aventura asiática com o marido, Filipe Brito, reconhece que a adaptação “à China continental não foi fácil”. “Por mais que tivesse lido e me tivesse preparado, pensava eu que tinha, foi um choque tremendo. Lembro-me do cheiro que senti quando aterrei em Hangzhou em 2014. Os 10 mil km de distância foram muito sentidos. A língua, a comida, tudo era desconhecido para mim. Recordo-me da primeira aula na ZISU, onde uma turma de alunos do segundo ano de licenciatura em Português aplaudia-me. Claro que esse entusiasmo ajudou-me imenso na adaptação. A sede e o entusiasmo pela língua motivavam-me. Depois, em Changchun, com o frio intenso e uma cidade tão cinzenta, tudo parecia ainda mais estranho. Por um lado, queria sair da China, mas, por outro lado, queria muito ficar. O entusiasmo e o carinho dos alunos aqueciam-me o coração. Vivia numa dicotomia, queria sair, mas os alunos faziam-me querer ficar. Foi então que surgiu Macau, o melhor dos dois mundos. O lugar onde as sinergias entre Portugal e China emergem”, aponta.

“Fui parar a uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes. Sou de Barcelos, o choque foi tremendo”

As maiores diferenças culturais que sentiu? “Tantas coisas, a língua, o estilo de vida, a gastronomia… Fui parar a uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes. Sou de Barcelos, o choque foi tremendo”.
 
E dá vários exemplos: “Lembro-me de andar na rua sempre com medo de ser atropelada pelas motas elétricas que circulavam por todo o lado. O calor húmido de verão, as chuvas torrenciais que nos refrescavam naqueles dias extremamente quentes. As pessoas eram-me estranhas, assim como eu lhes era estranha , pediam-me para tirar fotos, sorriam-me como se tivessem visto num programa de televisão ou numa revista do quiosque da rua, com alguma admiração por ser apenas diferente, não estavam habituados a ver muitos ocidentais. Comunicávamos com sorrisos e com gestos, alguns esforçavam-se e iam buscar o Google tradutor”.

Quando chegou a Macau já se sentiu “logo muito bem”. “As pessoas falavam inglês, havia todo o tipo de restaurantes, comida portuguesa. Lembro-me da primeira vez que fui ao supermercado e vi algo tão simples como salsichas enlatadas portuguesas”, recorda Sara Rodrigues, notando que a ligação entre Macau, que foi território português até 1999, e o nosso país “ainda é bastante presente”.

“A língua portuguesa é reconhecida oficialmente em Macau, e sinais e placas em português podem ser encontrados em vários lugares. Além disso, a presença da calçada portuguesa e da arquitetura portuguesa em muitos edifícios históricos é uma manifestação física dessa ligação. No entanto, ao longo do tempo, a influência chinesa tem-se fortalecido em Macau. A ligação com Portugal continua presente, mas é necessário um esforço constante para preservar e fortalecer essa conexão cultural”, observa.

Criou o primeiro Centro de Exames Camões Júnior na Ásia

Desde que embarcou para a Ásia, Sara Rodrigues sempre trabalhou como professora de Português Língua Estrangeira, primeiro no Instituto Português do Oriente e desde 2018 num colégio internacional, onde neste momento é coordenadora do departamento de português.

Atualmente, está envolvida em vários projetos de ensino de Português: “Além de lecionar diferentes níveis de proficiência, estou a trabalhar num projeto de criação de manuais de Português Língua Estrangeira com uma colega. Fui responsável pela criação, no colégio onde trabalho, do primeiro Centro de Exames Camões Júnior na Ásia, um exame progressivo de certificação online e destinado a adolescentes dos 12 aos 17 anos”.

"Existe uma procura significativa pelo ensino de Português"

A professora barcelense considera que “existe uma procura significativa pelo ensino de Português, especialmente por parte dos funcionários públicos e dos mais jovens”. “O governo de Macau incentiva a aprendizagem de Português, pois é uma língua oficial e o sistema jurídico é baseado na lei portuguesa. Após a transferência, a China concordou com manter o sistema legal existente em Macau por 50 anos de acordo com o princício ‘’Um país, dois sistemas’”, explica.

Sara Rodrigues salienta que “a relação entre Portugal e Macau é de grande importância, tanto do ponto de vista histórico como económico e cultural. O governo português reconhece a relevância da língua portuguesa em Macau e tem investido em iniciativas para estimular o seu ensino e promoção”.

E desenvolve: “O IPOR – Instituto Português do Oriente tem desempenhado um papel fundamental na promoção da língua portuguesa em Macau, criando parcerias com universidades portuguesas, nomeadamente com a Universidade do Porto, promovendo atividades culturais, como exposições, palestras e eventos literários para difundir a língua e a cultura portuguesa na região. Essas iniciativas são importantes para fortalecer os laços entre Portugal e Macau e para incentivar o interesse pela língua portuguesa”.

No entanto, considera que “ainda há espaço para mais investimentos e estímulos à língua portuguesa em Macau, seria interessante explorar as oportunidades económicas que a língua portuguesa pode oferecer em Macau”.

"Levo sempre Portugal no coração"

“O Português pode ser uma vantagem competitiva em setores como turismo, comércio internacional e serviços financeiros, uma vez que Macau é um importante centro de negócios e turismo na Ásia. Embora tenham sido realizados esforços para estimular a língua portuguesa em Macau, há espaço para mais investimentos e colaborações para fortalecer essa relação e aproveitar todo o potencial que a língua portuguesa oferece como um recurso valioso para a região”, analisa a professora, que não pensa regressar a Portugal num futuro próximo.

“Sinto-me valorizada profissionalmente em Macau e tenho um forte vínculo emocional com esta terra, especialmente porque o meu filho nasceu aqui. No entanto, levo sempre Portugal no coração e sinto muito orgulho em ensinar esta língua tão bonita, como disse Fernando Pessoa: ‘Minha Pátria é a Língua Portuguesa’. Esteja onde estiver, carregarei esse orgulho comigo”, conclui.

Notícia: O Minho