Nas últimas décadas, o estudo da comunicação social humana tem sido revolucionado pelos métodos das neurociências, mas os mecanismos cerebrais subjacentes a esta área permanecem ainda por compreender. A Unidade de Investigação de Neurociências Clínicas e Desenvolvimentais​, do Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi) da UMinho, criou um grupo com o intuito de aprofundar a investigação da estrutura e função das redes cerebrais que suportam diferentes aspetos da comunicação social.        

O grupo  foi viabilizado através de um financiamento que Ana P. Pinheiro, Investigadora Responsável pelo projeto, recebeu por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia para uma série de estudos eletrofisiológicos sobre processamento de voz humana em pacientes com esquizofrenia, logo após a conclusão do seu Doutoramento em Psicologia Clínica pela UMinho.

Nesta sequência, um dos objetivos específicos deste projeto de investigação é também contribuir para uma melhor compreensão dos processos neuronais que estão na base das alucinações auditivas. Por esse motivo, têm centrado os seus estudos em pessoas com diagnóstico  de esquizofrenia em que a experiência de alucinações auditivas é frequente. ​

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Porque é que  se especializou no estudo sobre a esquizofrenia?

As alucinações auditivas são experienciadas por aproximadamente 70% dos pacientes com esquizofrenia, sendo um dos sintomas positivos mais frequentes e, por isso, uma característica central desta perturbação neuropsiquiátrica. Por esse motivo, o estudo de pacientes com esquizofrenia permite investigar os mecanismos subjacentes à experiência de sons ou, especificamente, vozes, na ausência de estimulação externa. 

Em que contexto e quando é que surgiu este grupo de investigação?

Este grupo nasceu e cresceu graças ao financiamento que recebi da Fundação para a Ciência e a Tecnologia para uma série de estudos eletrofisiológicos sobre processamento de voz humana em pacientes com esquizofrenia, logo após a conclusão do meu Doutoramento. O financiamento obtido tornou possível a contratação de vários bolseiros de investigação. Por outro lado, os temas da minha investigação atraíram também alunos de Doutoramento que se juntaram à equipa, bem como colaboradores de investigação muito entusiasmados por poderem integrar o grupo e aprenderem mais sobre eletrofisiologia e investigação experimental, nesta importante interface entre Neurociências Cognitivas e Clínicas.​

Quem são os seus investigadores?

Neste momento, trabalham comigo 5 alunos de Doutoramento, 4 alunos de Mestrado e 2 bolseiros de investigação. Além disso, estamos a contratar um Investigador de Pós-Doutoramento. Esta equipa trabalha em estreita colaboração com colaboradores internacionais, por exemplo a Universidade de Maastricht e a Harvard Medical School.

​​​Paula Castiajo, Carla Barros, Ana P. ​Pinheiro, Tatiana Conde, ​​​ Marcelo Dias, Margarida Vasconcelos e Diana Pereira

Quais são os seus objetivos principais?

É difícil resumir em poucas palavras questões tão complexas e desafiantes. Eu diria que o nosso grupo visa investigar os mecanismos neurocognitivos subjacentes à produção, perceção, reconhecimento e avaliação da voz humana, em sujeitos sem patologia e, ainda, em diferentes patologias neurológicas (e.g., lesão cerebelar) e neuropsiquiátricas (e.g., esquizofrenia). Com um foco translacional, os estudos em curso visam, por exemplo, compreender por que algumas pessoas 'ouvem vozes' na ausência de estimulação externa (alucinações auditivas). Para responder a estas questões, recorremos a métodos comportamentais, neurofisiológicos (potenciais evocados e oscilações neuronais) e de neuroimagem (ressonância magnética estrutural e funcional).

Em particular, o nosso interesse é compreender de que modo o cérebro perceciona e reconhece diferentes aspetos da voz humana, nomeadamente:

*O que acontece no nosso cérebro quando reconhecemos uma voz que nos é familiar (por exemplo, a voz de Barack Obama entre um conjunto de vozes não familiares)?

*Quais os mecanismos neuronais que nos permitem reconhecer a nossa própria voz enquanto falamos e distingui-la da voz de outras pessoas?

*Como é que extraímos significado de pistas emocionais que nos são transmitidas pela voz de outra pessoa, mesmo que não tenhamos acesso à sua expressão facial? E quão rapidamente diferenciamos uma gargalhada de um grito de medo?

*Que recursos neuronais são ativados quando modulamos a nossa voz para comunicar emoções no contexto das interações sociais?

Que estudos estão a ser levados a cabo neste momento ?

Neste momento temos uma série de diferentes estudos em curso. Um dos projetos mais desafiantes no momento foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e tem como objetivo principal caracterizar os correlatos neurofuncionais de processos de predição sensorial, associados à perceção de voz, em pessoas com elevada predisposição para alucinações. Esperamos, assim, perceber se estas pessoas apresentam anomalias semelhantes às observadas em pacientes com esquizofrenia, o que suportaria um modelo mais dinâmico da psicopatologia.

 Que impactos espera que a vossa investigação possa ter em termos de estratégias de tratamento e prevenção mais eficazes para a esquizofrenia, uma doença ainda sem cura?

A esquizofrenia é uma doença neuropsiquiátrica crónica. Perceber melhor os mecanismos neurobiológicos subjacentes às alucinações auditivas tem, como principal objetivo, contribuir para uma melhor compreensão do fenómeno (e, apesar dos avanços metodológicos e do aumento do número de estudos dedicados à investigação destes processos, as alucinações permanecem um dos sintomas psicopatológicos mais enigmáticos). Por conseguinte, a elucidação destes mecanismos ajudará, em última instância, ao desenvolvimento de terapêuticas mais eficazes e, ainda, de estratégias de prevenção destas experiências que tanto sofrimento e mal-estar causam nestes pacientes.

No que diz respeito ao seu percurso, para além de desenvolver investigação, desenvolve trabalho clínico na área da avaliação neuropsicológica e é docente universitária. Qual é a área que a alicia mais e como é se complementam?

Na verdade, a investigação, a docência e a neuropsicologia andam de mãos dadas. Ao considerar-me, acima de tudo, uma cientista, é o espírito científico que procuro trazer tanto para a docência, como para a avaliação neuropsicológica. É extremamente aliciante poder incutir espírito crítico nos alunos, ajudando-os a formular e a testar hipóteses sobre o mundo e, neste caso em particular, sobre o ser humano. Em simultâneo, é extremamente gratificante poder, com isso, estimular curiosidade, ou melhor, este fascínio pelo desconhecido. Por isso, mais do que fornecer respostas, procuro incentivar os alunos a formular questões interessantes. No contexto da avaliação neuropsicológica, é também a abordagem científica que eu procuro usar: formulam-se e testam-se hipóteses sobre o funcionamento neuropsicológico, integrando dados cognitivos e cerebrais. Como investigadora, o conhecimento que procuro obter é também informado pelos ensinamentos da docência e da clínica.

Os prémios sempre acompanharam o seu percurso académico e profissional (em 2013 ganhou o Prémio Jovem Investigador pela Associação Portuguesa de Psicologia, por exemplo). Que significado têm estes reconhecimentos para si?

 É extremamente recompensador ver o nosso trabalho ser reconhecido por entidades nacionais e internacionais. Obviamente, estes prémios são um incentivo para mais investigação de qualidade, na expectativa de fazer sempre mais e melhor. Ao mesmo tempo, considero que estes prémios não são, nunca, individuais, mas sim o resultado de um trabalho em equipa e dos ensinamentos, obtidos ao longo dos anos, das mais variadas formas e nos mais variados contextos. Caminhamos, pois, sobre o ombro de gigantes...

Fez o seu percurso académico na UMinho. Porquê a opção pela Psicologia e por esta instituição?

A escolha do curso de Psicologia foi a minha primeira opção, embora, na altura, eu fosse apaixonada por todas as áreas de conhecimento. Decidir por apenas uma área representou um enorme desafio para mim. Acabei por escolher Psicologia pela possibilidade de investigação experimental em processos psicológicos que o curso oferecia. A UMinho foi também a minha primeira opção, por saber que se tratava do melhor curso de Psicologia do país. Foi, sem dúvida, a melhor opção.

Que importância teve e tem ainda esta academia para si? 

A UMinho continua a ser a minha "casa". A palavra "casa" pressupõe o conforto do que nos é familiar e pressupõe, ainda, um espaço de afetos e memórias. É isso que esta "casa" significa para mim. Foi na Universidade do Minho que conheci alguns dos maiores mestres da minha carreira e foi também com eles (e por causa deles) que desenvolvi esta grande paixão pelo mundo da investigação.

Apesar de ser, agora, docente da Universidade de Lisboa, continuo a desenvolver trabalhos de investigação na UMinho e a orientar alunos de Doutoramento e Mestrado desta Universidade. E é sempre reconfortante voltar a "casa".