O mestrado internacional em Análise Estrutural de Monumentos e Construções Históricas (SAHC) é uma formação única que, no passado mês de maio, venceu o Prémio da União Europeia para o Património Cultural – “Europa Nostra” - um dos principais galardões da área a nível mundial.

Financiado pela Comissão Europeia e com coordenação da UMinho, o SAHC tem a duração de um ano e é totalmente lecionado em inglês, destinando-se a alunos que possuem um mínimo 4 anos de formação superior anterior. O objetivo: proporcionar formação avançada no domínio da conservação e da reabilitação do património cultural construído. 

O curso tem-se também destacado pelo seu alcance global, tendo formado cerca de 400 alunos vindos de 65 países, predominantemente da Europa, mas também dos EUA, Irão, China, Colômbia, Canadá e México. Para além da UMinho, estão envolvidas na lecionação a Universidade Técnica Checa em Praga, a Universidade Politécnica da Catalunha - Barcelona Tech e a Universidade de Pádua. 

Para conhecer melhor este programa de ensino internacional, que cumpre este ano 10 anos de existência, a NÓS Alumni entrevistou Paulo Lourenço, coordenador do curso e docente do departamento de Engenharia Civil da UMinho em Guimarães.

Paulo Lourenço.jpgPaulo Lourenço no departamento de Engenharia Civil da UMinho, Campus de Azurém 

Como surgiu a oportunidade de se criar o Mestrado em Análise Estrutural de Monumentos e Construções Históricas na UMinho?
A ideia de criar o mestrado surgiu naturalmente entre um grupo internacional de instituições e colegas que se dedicam a este tema e que colaboravam, desde a década de 1990, na formação de alunos graduados, em projetos europeus e na organização de conferências, na Universidade do Minho, na Universidade Politécnica da Catalunha (UPC / Barcelona Tech), Espanha, e na Universidade de Pádua, Itália. À data em que o mestrado foi criado (2006), vivia-se o pós-período do grande alargamento da União Europeia ao leste europeu (2004), pelo que a inclusão de parceiros na República Checa foi uma consequência natural desse alargamento. Foram assim incluídos na parceria a Universidade Técnica Checa em Praga e o Instituto de Mecânica Teórica e Aplicada da Academia Checa de Ciências., com quem já existiam colaborações.
O mestrado concorreu a financiamento europeu (programa Erasmus Mundus), tendo sido aprovado à primeira tentativa, para um período de 5 anos. Posteriormente, o mestrado recebeu um financiamento para novo período de 5 anos. Nestes 10 anos, o total do financiamento europeu foi de cerca de 4 M€, sendo que o mesmo terminou no ano letivo 2016/17. 

O que distingue este curso de outros cursos de conservação do património já existentes?
Este mestrado é um projeto de ensino de nicho que se dedica ao património construído, numa vertente técnica que inclui os materiais de construção e os elementos que permitem assegurar a estabilidade do edificado. De uma forma simples, o mestrado dedica-se a manter de pé e em segurança os monumentos e edifícios antigos, assegurando que os mesmos são entregues às novas gerações em condições adequadas. Este desafio é impressionante, atendendo a que pretende prolongar a vida destas construções para a eternidade, como marca da identidade cultural, aquilo que nos define como vimaranenses, bracarenses, portugueses...
Este mestrado combina o conhecimento científico avançado em técnicas experimentais e de simulação computacional, com as melhores práticas profissionais. Por esta razão, por exemplo, a Universidade do Minho tem atuado como consultor em diversos casos emblemáticos no país e no mundo, incluindo por exemplo o Largo do Paço, o Paço dos Duques de Bragança, a Sé do Porto, o Mosteiro dos Jerónimos, o Palácio de Belém, ou a Catedral de Cantuária (Reino Unido), a Catedral de Ica (Perú), a Catedral de Christchurh (Nova Zelândia), o Theatro Municipal do Rio de Janeiro (Brasil), a Basílica de São Sebastião (Manilas, Filipinas), e tantos outros. 
Por outro lado, na Universidade do Minho está envolvido o maior grupo de investigação internacional em construção em alvenaria e madeira, com ampla experiência, por exemplo, em ensaios não destrutivos, ferramentas avançadas de avaliação de segurança ou engenharia sísmica. É esta combinação entre investigação e prática profissional que tem potenciado este projeto de ensino único. 
O projeto incorpora a utilização de ferramentas de software e experimentais avançadas, e a sua utilização prática num caso de estudo, permitindo criar profissionais do futuro, muito além do conhecimento enciclopédico, com excelentes capacidades para processar informação de diferentes áreas científicas, de comunicar oralmente e por escrito, de gerir o stress e ansiedade, de trabalhar em grupo, e outras valências relevantes. O projeto de ensino obriga à presença pelo menos de 8h/dia dos alunos nas instalações da Universidade, com aulas todas as manhãs e trabalhos todas as tardes.

 


Contando este mestrado com a parceria de outras Universidades reconhecidas europeias. Como funciona a combinação dos diferentes conhecimentos vindos destas diferentes instituições de ensino? Os cursos são semelhantes? 
De facto, o projeto incluiu até ao presente ano letivo, cerca de 50% de docentes internacionais, combinando o melhor conhecimento dos parceiros com a internacionalização das práticas de ensino. O curso decorreu nos últimos 10 anos em quatro instituições europeias (cerca de 20 alunos em simultâneo em cada local), de forma rotativa. Assim sendo, a UMinho recebeu alunos para a parte curricular a cada dois anos. Todo o material de ensino foi desenvolvido em conjunto por cerca de 40 docentes de diferentes instituições europeias, o que é um caso único, e a formação nas quatro instituições que forneceram o grau é exatamente igual. Todos os alunos recebem graus duplos atribuídos pelas instituições onde decorreu a sua formação.
A partir do próximo ano letivo, a parte escolar será toda concentrada na UMinho, uma vez que o financiamento europeu cessa e importa assegurar a sustentabilidade financeira do projeto.

Existe uma componente de mobilidade obrigatória numa das Universidades do consórcio... 
Até ao presente no letivo, os alunos estavam concentrados em dois grupos de cerca de 20 alunos em duas instituições distintas, durante 7 meses de parte curricular. Depois seguiam para uma segunda instituição para fazer a tese de mestrado durante 4 meses. Adicionalmente, em outubro/novembro realizava-se uma semana de integração em que todos os alunos se reuniam numa pequena povoação nas montanhas da Catalunha, com alguns docentes. Neste período, efetuavam-se visitas técnicas e culturais, e sessões de desenvolvimento de soft skills (liderança, comunicação e apresentação oral), entre outras atividades. Desta forma, existia contacto entre todos os alunos de uma mesma edição.
A partir do presente ano letivo, todo o ensino será concentrado em Guimarães, com o envolvimento de um docente internacional de cada país participante. Posteriormente, os alunos farão a tese nos 4 países envolvidos. Desta forma, cerca de 75% dos alunos terão mobilidade e 25% dos alunos ficarão concentrados na UMinho.

Quem são os estudantes que procuram este curso? Quantos estudantes já tiverem no total desde o seu início?
O Mestrado formou cerca de 400 alunos no total de 65 países, em dez edições (inclui uma edição especial no presente ano letivo, em castelhano, financiada para alunos da América Latina, com 21 alunos). Cada edição do mestrado tem alunos de cerca de 20 países distintos, sendo metade europeia e metade não-europeia. Os países que forneceram mais alunos foram Itália, Grécia, EUA, Espanha, Portugal, Irão, China, Canadá, Índia e Colômbia.
Os alunos são 50% engenheiros civis, 25% engenheiros-arquitetos (formações como engineering architecture, building engineering ou semelhantes) e 25% arquitetos (com uma competência técnica forte, tipicamente italianos, espanhóis e alguns outros países). A média de idades é de 27 anos, com alunos recém-formados com uma licenciatura de 4 anos até alunos nos 40 anos, com experiência profissional. O aluno mais idoso tinha 55 anos, sendo que um par de alunos já tinha doutoramento. Desta forma combina-se diversidade de formação base, idade, experiência profissional, localização geográfica, práticas profissional e visão cultural. 

No passado mês de maio, o mestrado venceu o Prémio da União Europeia para o Património Cultural “Europa Nostra”, um dos principais galardões da área a nível mundial. Qual foi para si o significado deste reconhecimento?
Qualquer reconhecimento é o resultado de um trabalho de equipa que, neste caso, combina um conjunto de docentes altamente empenhados com alunos de exceção, e um projeto de ensino de altíssima qualidade com atividade científica e profissional reconhecida. Eu costumo afirmar que com um reconhecimento, vêm também grandes responsabilidades. Neste caso, o prémio vem na melhor altura, porque o financiamento europeu termina, uma vez que aumenta o reconhecimento do projeto de ensino. Adicionalmente, o prémio é um fator de motivação da equipa envolvida.
A informação do júri que "Este projeto tem um grande valor internacional e o seu alcance global é um modelo notável para outras iniciativas semelhantes” valoriza enormemente a dedicação da equipa que se dedicado ao mesmo nos últimos 10 anos. 
Cerimónia2.jpeg Na cerimónia da entrega do Prémio da União Europeia para o Património Cultural “Europa Nostra” 

Que feedback têm tido por parte dos mestrandos deste curso? Que impacto tem tido no percurso dos alunos?
O feedback dos alunos foi excelente, entre a incredulidade até à expressão de um verdadeiro sentimento que o prémio é mais que merecido. Não é habitual ouvirmos alunos dizerem que “nunca estiveram num projeto de ensino como este” ou que “o empenhamento dos docentes deste curso é inacreditável” ou que “fizeram amigos para a vida num ano” ou que “possuem agora uma rede de contactos em todo o mundo” ou que “o balanço entre a teoria e a prática fazem deste mestrado um projeto realmente inovador” ou ainda que “por mais horas que trabalhassem iam sempre com um sorriso para casa”. 
Ainda é cedo para estarmos certos de qual será o impacto no percurso dos alunos, mas quantos projetos de ensino na Europa (e em especial numa zona periférica da Europa) colocam alunos nas melhores empresas de engenharia do mundo (por exemplo Arup ou Ramboll) ou ganham estágios em concursos internacionais (Getty Conservation Institute, EUA, 4 alunos; Robert Silman Fellowship, EUA, 2 alunos)? Acresce que vários ex-alunos do SAHC têm sido admitidos pelas melhores universidades mundiais como estudantes de doutoramento, prática aliás dos parceiros envolvidos que tipicamente contratam uns 4 a 5 alunos por ano para doutoramento, mais uma prova de reconhecimento.

Que balanço faz destes 10 anos de existência do curso?
Os balanços têm de ser feitos todos os dias, e a excelência de um projeto exige monitorização próxima, pelo que uma data “redonda” como 10 anos não tem qualquer significado especial. Pessoalmente, este é de facto um projeto de vida que representa quase 50% da minha vida académica em termos de duração.
Foi possível criar uma rede de amizades em todo o mundo, onde é quase impossível viajar profissionalmente sem encontrar ex-alunos deste mestrado. A maior conferência internacional nesta área, que reúne tipicamente, 250-350 participantes de todo o mundo, recebe cerca de 20 antigos alunos do mestrado, o que é um número impressionante. O potencial é ilimitado, à medida que os antigos alunos venham a desenvolver atividades com relevância e responsabilidade crescentes. 

Para além da componente académica, que impacto tem tido este curso, por exemplo, ao nível das intervenções que têm sido feitas ou de proteção de património arquitetónicos, entre outros?
Não é muito fácil avaliar o impacto profissional do curso. O que sabemos é que a Europa é claramente líder nesta área do conhecimento e que 50% dos nossos alunos são extraeuropeus. Também sabemos que existem vários cursos nos EUA (Association for Preservation Technology International) que foram lecionados por nossos antigos alunos e que nossos antigos alunos são profissionais altamente qualificados em todo o mundo, seja em universidades (por exemplo, Bangladesh, Índia, Japão ou Peru, num total de 15% dos antigos alunos), seja em organismos governamentais (por exemplo, Butão ou Irão), seja em empresas de consultoria (30% dos antigos alunos). Isto terá certamente impacto positivo na conservação do património arquitetónico.

Acha que as expetativas iniciais foram superadas? Quais são os desafios que o futuro coloca?
As expectativas foram claramente superadas. Não apenas o mestrado tem recebido um enorme reconhecimento pela comunidade internacional, como tem recebido mais de 400 candidaturas / ano para 40 vagas (ano letivo de 2016/17). Para o ano letivo que se vai iniciar (2017/18), sem bolsas da Comissão Europeia, recebemos até ao momento 120 candidaturas e esperam-se cerca de 30 alunos. Este mestrado contribui, sem qualquer dúvida, para o impacto internacional do Departamento de Engenharia Civil e da Universidade do Minho.
O grande desafio é o da sustentabilidade financeira, pelas elevadas propinas cobradas pelos parceiros europeus e pelo custo elevado de um projeto de excelência. É certo que Guimarães possui aspetos muito positivos, tais como o acolhimento da sociedade, o clima, a proximidade do mar, a segurança ou o relativo baixo custo de vida (num contexto europeu ou dos países mais desenvolvidos). No entanto, a comparação com os maiores atractores mundiais de estudantes internacionais (como os Estados Unidos ou Reino Unido) peca pela língua, pelo emprego, pelo posicionamento nos rankings internacionais e pela tradição. Ao mesmo tempo, diversos países europeus possuem propinas nulas ou providenciam apoios financeiros aos alunos. Seria muito bom existir uma reflexão cuidada sobre as políticas de apoio à internacionalização do ensino superior em Portugal, que permitissem criar bases sólidas para maior exportação dos serviços de ensino superior. Existem estimativas que colocam este setor da economia em 400 M€ de exportação/ano com potencial para 2000 M€/ano a curto prazo.