A investigadora tem vindo a trabalhar com péptidos, uma espécie de proteínas que não existem na natureza, que são criados de forma sintética e que podem ser usados, por exemplo, para gerar em laboratório vasos sanguíneos artificiais ou outros tecidos. No seu percurso merece destaque uma investigação que deu origem à publicação de um artigo na conceituada revista Science.
Após a formação na UMinho, Helena Azevedo doutorou-se na Universidade de Montfort no Reino Unido em colaboração com o Departamento de Engenharia Têxtil na UMinho. Viria a fazer o pós-doutoramento no Grupo de Investigação 3B’s tendo conseguido uma bolsa Marie Curie em 2006 que lhe permitiu trabalhar no estrangeiro com o Prof. Sam Stupp no Institute for BioNanotechnology in Medicine (Northwestern University, Chicago, EUA). Entre 2008 e 2013 foi investigadora auxiliar nos 3B’s onde contribuiu para desenvolver a área de investigação acima referida, tendo mais tarde aceitado a posição de Senior Lecturer em Engenharia Biomédica e Biomateriais na Escola de Engenharia e Ciência de Materiais da Queen Mary University of London, onde está atualmente.
Já foi em 2008, mas poder-se-á considerar que publicar na Science foi um momento de viragem na sua carreira?
Com certeza que sim. Acho que esta publicação permitiu-me ter o reconhecimento dos meus pares e também me ajudou a ganhar visibilidade como investigadora. Além disso contribuiu para atingir outras “milestones”, como conseguir financiamento de projectos como investigadora independente, ser convidada para dar palestras e atrair alunos para a minha investigação. Igualmente importante foi ter tido a possibilidade de aprender como escrever um artigo para uma revista de elevado impacto e com uma audiência tão diversificada.
Pode explicar-nos qual o grande fator de diferenciação no seu trabalho com os péptidos, que permitiu a sua afirmação enquanto investigadora?
A grande motivação para trabalhar nesta área foi iniciada no grupo 3B’s, nomeadamente num curso NATO organizado pelo Prof. Rui Reis, onde tive a oportunidade de conhecer um cientista americano que trabalhava em péptidos anfifílicos. Estes péptidos são capazes de se auto-organizar e formar nano-estruturas muito semelhantes às que existem nos tecidos humanos. A simplicidade deste processo de auto-organização, e os excelentes resultados obtidos com estas moléculas de péptidos para regenerar tecidos em ensaios animais, suscitaram rapidamente o meu interesse e entusiasmo para trabalhar nesta área. Tomar a decisão de ir fazer um pós-doutoramento nos Estados Unidos, e trabalhar num grupo bastante competitivo na área de péptidos, poderia ser assustador, mas ao mesmo tempo seria uma oportunidade única para aprender num dos melhores grupos, ganhar outras competências e experiência numa área na qual não havia tradição na UMinho. Claramente, trabalhar em péptidos com organização espontânea seria um aspecto diferenciador na UMinho. No entanto, trabalhar em ciência requer que essa diferenciação seja reconhecida pela comunidade científica internacional. Penso que o grande aspecto inovador do meu trabalho consiste na combinação destas moléculas com um polímero de grande importância biológica, ácido hialurónico. Explorando interacções entre este biopolímero e péptidos, fomos capazes de desenvolver diferentes tipos de biomateriais (membranas, cápsulas) com diferentes funcionalidades e onde cultivamos células humanas. Esta investigação gerou um conjunto de publicações na área dos biomateriais.
Como evoluiu o seu trabalho desde aí?
Fazer investigação em péptidos não foi fácil, especialmente quando se tem que começar do zero. Primeiro foi necessário aprender como obter péptidos através de síntese química, de forma adquirir competências para o fazer de forma independente e simultaneamente ser capaz de transferir essas mesmas competências a outros. Antes da minha ida para Chicago, tive a oportunidade de aprender e iniciar síntese de péptidos no Departamento de Química da UMinho, com a preciosa ajuda da Profª. Paula Ferreira. A minha formação em Engenharia Biológica, com forte componente em química orgânica e bioquímica, permitiu-me aprender com facilidade os conceitos e técnicas associados à síntese de péptidos. Após o pós-doc no grupo do Prof. Stupp, regressei ao 3B’s e graças a diversos projetos aí a decorrer, conseguimos estabelecer uma infraestrutura para síntese e purificação de péptidos, que nos permitiu sintetizar mais de 100 péptidos diferentes e trabalhar com moléculas purificadas de forma a investigar diversas aplicações. Reconheço que trabalhar em síntese de péptidos é um trabalho árduo e muitas vezes não gratificante, porque sintetizar uma nova sequência é sempre um desafio! Mas trabalhar em ciência requer persistência, querer aprender com cada problema e converter obstáculos em desafios.
As moléculas de organização espontânea continuam a ser um desafio científico atual?
Eu acredito que sim, e por isso tenho dedicado grande parte da minha investigação a desenvolver e estudar estas moléculas. Penso que esta opinião é partilhada por outros investigadores. Na verdade, o número de publicações descrevendo este tipo de moléculas tem vindo a aumentar nos últimos anos. Trata-se de uma área, para além de fascinante, com grande potencial para desenvolver materiais com elevada precisão e funcionalidades específicas para aplicações tão distintas, como a nanomedicina ou energia solar. Permite construir biomateriais complexos e interactivos a partir de moléculas muito simples. Usando a síntese química, e apenas os 20 amino ácidos que existem na Natureza, podemos sintetizar um número quase infinito de novas moléculas (20n) com propriedades muito diversas. Explorar esta possibilidade é com certeza um desafio interessante e actual.
A medicina regenerativa continua a estar no seu horizonte de investigação em exclusivo, ou o seu trabalho visa outras áreas de aplicação?
No momento sim, embora esteja sempre disponível para colaborar com outros investigadores noutras áreas em que a minha investigação possa contribuir e ser útil. Fazendo parte de uma Escola de Engenharia, a oportunidade de colaborar com outros colegas de outros domínios científicos, como engenharia química ou mecânica, poderá proporcionar explorar outras áreas. No entanto, na minha opinião, as moléculas de péptidos em particular oferecem uma série de vantagens únicas para aplicações médicas. Como tal, acredito que os meus esforços deverão ser direccionados no sentido de os aplicar para desenvolver materiais que possam ajudar a solucionar problemas que afectam a população mundial, como a degeneração progressiva dos tecidos humanos.
Considera-se uma cientista em exclusivo, ou as salas de aula e apresentações públicas também são parte estruturante do seu percurso?
Eu gostaria de ser uma cientista em exclusivo, mas as minhas atuais funções requerem que tenha de dar aulas e fazer apresentações em diversas ocasiões. Se por um lado este tipo de actividades me retiram algum tempo, que gostaria de usar para a investigação, estas experiências permitem-me a aquisição de outro tipo de valências e oportunidades de colaboração. Ensinar alunos de pós graduação é uma grande responsabilidade e exige uma constante aprendizagem. Dar aulas ensinou-me que há muitas coisas que não sei e dar palestras permitiu-me conhecer outros investigadores com os quais colaboro atualmente.
Mantem uma ligação à UMinho no seu dia-a-dia?
A ligação à UMinho é incontornável e imprescindível. Primeiro, porque o meu percurso académico e profissional foi baseado nesta universidade, onde tive a oportunidade de trabalhar em diferentes departamentos da Escola de Engenharia (Biológica, Têxtil e Polímeros – Grupo 3B’s) e onde estão antigos professores, mentores, colegas e amigos, que contribuíram para a minha formação e desenvolvimento profissional. Ter trabalhado em diferentes departamentos não é comum, mas permitiu-me conhecer diversas pessoas com as quais aprendi e pelas quais mantenho uma enorme admiração e gratidão. Através das colaborações internacionais destes grupos, tive oportunidade de ter trabalhado noutras universidades no estrangeiro durante o doutoramento e pós-doc. Estas experiências permitiram-me constatar sobre a elevada qualidade do ensino e investigação desenvolvidos na UMinho. Considero que a UMinho tem diversas mais-valias, quer ao nível das infraestruturas de investigação, quer dos grupos que desenvolvem investigação extremamente competitiva e que têm contribuído grandemente para o prestígio da UMinho a nível internacional. Além disso, continuo ligada ao grupo 3B’s, no qual trabalhei durante 12 anos, e com o qual mantenho a co-supervisão de alunos de doutoramento e publicações conjuntas. Aliás, acredito que estando noutra universidade, num país diferente, será fácil de manter essas colaborações, quer através de intercâmbio de alunos, quer através de projectos europeus ou bilaterais de colaboração.
Investigar no estrangeiro continua a ser determinante, ou as desigualdades nos recursos estão suavizadas?
Investigar no estrangeiro tem particularidades diferentes, quer em termos de oportunidades, quer em termos de competitividade. Estar no Reino Unido, numa universidade baseada em Londres, é com certeza uma vantagem, não só pela existência de universidades de grande prestígio, mas também dada a facilidade com que se tem acesso diariamente a eventos científicos e culturais, com enorme oportunidade de conhecer nomes históricos e actuais da ciência. Esta envolvência facilita grandemente as colaborações, sendo extremamente importantes no início de carreira. Em termos de financiamento, também há mais oportunidades, quer a nível interno - a universidade tem diversos programas para financiar bolsas de doutoramento e participação em conferências - quer através de fundações privadas. Por outro lado, também há uma maior competitividade em relação ao financiamento externo, onde as universidades super conceituadas têm vantagens significativas. Considero que ter tido a possibilidade de ter participado na elaboração de grandes projetos europeus que foram financiados no grupo 3B’s em processos altamente competitivos, como a rede de excelência EXPERTISSUES, foi uma mais-valia no meu percurso profissional e me ajudou a estar melhor preparada para enfrentar os desafios actuais.
