Os nossos atletas sofreram um impacto enorme com a pandemia, mas, ao contrário do cidadão comum, também foram os mais rápidos a reagir e a transformar a crise em oportunidade. Isto, claro, é uma avaliação genérica e não casuística! Tiveram a oportunidade de exercer e transitar as suas competências psico-emocionais da área desportiva para a vida. A população em geral tem muito a aprender com eles. Cheguei a escrever sobre o tema para o
.
Já trabalhou com Scolari, Fátima Lopes e Rui Patrício
Nos últimos vinte anos já trabalhou com dezenas de atletas, árbitros e treinadores, mas também com outros profissionais de atividades de alta performance, como médicos, militares, gestores de topo, músicos...
É verdade, já foram alguns [risos]! No site anabisporamires.com, partilhei testemunhos cedidos gentilmente por alguns clientes com quem já trabalhei – como a apresentadora Fátima Lopes, o guarda-redes Rui Patrício ou o diretor artístico do Cirque du Soleil, Hugo Martins –, com o propósito de aumentar a consciencialização da importância desta área no que respeita à elevação dos indicadores de bem-estar, saúde mental e desempenho.
Houve alguma situação mais caricata?
Muitas... mas todas elas confidenciais [risos]!
Também foi psicóloga no SL Benfica durante oito anos. Como foi a experiência?
Entrei a convite do dr. Pedro Almeida, então coordenador da área no Departamento de Futebol. Quem assume este papel atualmente é a dra. Tatiana Ferreira, o que é um enorme orgulho para mim por ter tido o privilégio de ser a sua orientadora de estágio e professora. Foi, claramente, uma experiência de enorme crescimento pessoal e profissional, que me permitiu, mais tarde, trabalhar com Luiz Filipe Scolari e a minha colega Regina Brandão, no âmbito da seleção nacional A de futebol. A possibilidade de trabalhar num clube que aposta na área há algum tempo permite-nos outros tipos de intervenção, mais planeadas e sustentadas, com diferentes interlocutores e, por isso, mais eficientes do ponto de vista dos resultados que conseguimos alcançar.
Chegou a ver o falecimento do futebolista Miklós Fehér em pleno jogo contra o Vitória de Guimarães. Como se levanta o ânimo de uma equipa depois de uma situação destas?
Lamentavelmente, nesse ano, não faleceu apenas o Miklós, mas também o capitão da nossa equipa de juniores, Bruno Baião. Prefiro não particularizar por razões de bom senso e respeito pelas famílias. Gostaria, contudo, de aproveitar a oportunidade para referir que a área do trauma é de enorme desconhecimento em Portugal (na altura era ainda mais) e que é preciso ver o seu papel rapidamente reconhecido nas diferentes organizações. Ao dia de hoje é incompreensível que se coloque uma equipa a jogar depois de esta ter assistido à reanimação cardíaca de um colega, como aconteceu, por exemplo, no jogo entre a Dinamarca e Finlândia, do Euro’2020. É perfeitamente medieval e revelador de um desconhecimento atroz sobre a área do trauma e dos possíveis compromissos em termos de saúde mental.
Os desportistas, treinadores e árbitros mostram-se recetivos?
Desde sempre! A maior resistência encontra-se, de uma forma global, na classe dos dirigentes, que revela um enorme desconhecimento na área da Psicologia do Desporto/Performance. O curioso é que, em contexto empresarial, o recurso a esta dimensão já é prática comum dos grandes gestores e CEO do nosso país. Aqui está um conhecimento que o desporto poderia “importar” do contexto corporativo. Fica, por isso, mais uma “provocação”, dirigida aos dirigentes desportivos, para integrarem esta dimensão do treino de competências no seu desenvolvimento profissional.
Quais são as maiores dificuldades e desafios da profissão?
Quem quer trabalhar em alto rendimento não deve apenas “querer”, tem mesmo que “fazer acontecer”. Por outras palavras, partilhamos com os nossos atletas não só o desafio à nossa capacidade de resistência à frustração, de resiliência e de superação, bem como à nossa capacidade de trabalhar em equipa. Apesar de o trabalho em equipa ser dos temas mais abordados pelos psicólogos, é também onde temos mais dificuldade em mostrar competência. Fica a provocação [risos]! A maior dificuldade é conseguirmos proteger a nossa profissão, entregando trabalho sustentado cientificamente e termos presente, a cada momento, os princípios éticos e deontológicos que devem reger a nossa prática diária.
UMinho, uma “casa onde é sempre um gosto voltar”
Como surgiu o seu interesse pela Psicologia Desportiva?
Uma consequência natural da minha experiência enquanto atleta de andebol. Tive o privilégio de ser formada por uma das escolas de referência em Lisboa, o Liceu Passos Manuel, e no ano em que era suposto escolher as áreas de especialização, estágio e tese monográfica, o ISPA - Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida alargou o campo de hipóteses para uma série de áreas mais especificas, onde se incluía a Psicologia do Desporto. Não hesitei!
Mais tarde escolheu a UMinho para fazer um mestrado na área. Porquê?
Por duas razões especificas. Primeiro, pelo professor José Cruz, uma enorme referência da área na altura (e desde sempre). Em segundo lugar, porque senti, acima de tudo, uma grande capacidade do curso em acolher as minhas limitações de agenda. Na altura dava aulas no ISPA, trabalhava no Departamento de Futebol do SL Benfica e tinha a decorrer dois projetos de longa duração, com a seleção nacional de andebol feminino (sub-18) e a de ginástica artística masculina. Em boa verdade, foi preciso muita “acrobacia” para fazer tudo isto! A compreensão e o apoio do professor José Cruz foram determinantes.
Recorda-se do seu primeiro dia?
Antes de ingressar no mestrado, já tinha estado na UMinho, no âmbito do primeiro encontro nacional sobre excelência e performance, organizado no virar do século. Na altura acompanhei um grupo de alunos que aplicou pela primeira vez o modelo de Hanin, que avalia o impacto das emoções no desempenho para outras áreas que não a desportiva, focando-se em profissionais como bombeiros, médicos, entre outros.
Após o mestrado, criou também em 2008 a empresa de Inner Choice - Human Development & Wellbeing.
Nasceu com o propósito de acentuar a responsabilidade que temos em mudar o nosso presente para termos o futuro que desejamos. Assenta na responsabilidade das escolhas individuais e nos seus impactos no retorno que temos, lançando em paralelo, como suporte de transformação, um conjunto de ferramentas que se encontram no contexto desportivo. O modelo que adotamos, com os indivíduos e organizações que nos procuram, em contexto de equipas multidisciplinares, segue um pouco a lógica “lessons learn from sports for life”.
As preferências de Ana Bispo Ramires
Um livro: Toda a coleção do “Astérix”. É difícil escolher!
Um filme: “And the band played on” (1993), de Roger Spottiswoode, e “Gia” (1998), de Michael Cristofer.
Uma música: Portuguesa.
Um clube: Seleção nacional. Todas!
Um passatempo: Passear os meus cães.
Um desporto: Vou ao ginásio e faço caminhadas... essenciais para preservar qualidades cognitivas e boa disposição!
Uma viagem: Todas as que estão por fazer.
Um prato: Sushi. Calha bem agora que vou para Tóquio [sorriso].
Um vício: A minha “família escolhida”.
Uma personalidade: Aquelas pessoas que, invisivelmente, melhoram o nosso dia-a-dia com aquela pequena ação ou gesto. Todos os “ilustres anónimos” que nos fazem ser mais e melhor.
Um momento: Um abraço.
Um sonho: Que a saúde mental assuma rapidamente o merecido destaque em Portugal.
Uma curiosidade: Hummm... Hummmm... Sem resposta [risos]!
A UMinho: Uma instituição a quem sou muito grata pela experiência de crescimento com colegas e professores, que me ajudou a ser “mais”. Inequivocamente, uma “casa” onde é sempre um gosto voltar.