Formou-se em Engenharia e Gestão Industrial e tem 41 anos. Viveu em seis países e trabalhou em multinacionais como Sonae MC, Accenture, McKinsey e Amazon, onde é diretor de compras para a Europa.
 
Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho? E em Guimarães?
Lembro-me da energia do primeiro dia e da excitação de conhecer uma nova cidade e fazer novos amigos!
 
O curso em Engenharia e Gestão Industrial foi a sua primeira opção? O que levou a escolher essa área?
Como apaixonado que era pelas telecomunicações, entrei primeiro em Engenharia Eletrónica. No entanto, ao fim de dois anos, apesar de estar a correr bem, descobri que não gostava da parte digital da eletrónica. Após várias conversas com amigos e, sobretudo, uma reunião com o professor Guilherme Pereira, então diretor de curso, decidi pedir transferência para Engenharia e Gestão Industrial (EGI).
 
Já fazia ideia do que queria fazer no futuro? Ou foi descobrindo?
Quando era mais novo queria ser controlador de tráfego aéreo. Não sei bem porquê [risos]! Mais tarde, percebi que queria estar mais ligado à gestão e estratégia, sem saber em que área de expertise nem em que indústria.
 
Que ensinamentos adquiriu na UMinho que ainda hoje fazem a diferença?
Destaco duas aprendizagens que marcaram o meu percurso. A primeira está relacionada com o facto de ter sido um aluno transferido. Uma vez que não consegui equivalências a todas as cadeiras, fiquei com um ligeiro atraso. Esta situação deu-me foco para gerir o meu plano de exames e resiliência para recuperar o tempo perdido. A segunda foi o tratamento que senti no departamento de EGI, em que existia uma preocupação genuína para com os alunos, o que ainda hoje explica a forte relação que os alumni mantêm com o corpo docente. Isso fez-me seguir um mantra na minha profissão: cuidar das minhas equipas como se fossem clientes e ser um facilitador para que todos sejam bem-sucedidos, porque não se trata apenas de uma performance de curto prazo, mas de contribuir para o futuro das pessoas.

Comportamento e motivação pesam 60% na hora de contratar

Como correu a sua entrada no mercado de trabalho?
Tive imensas dúvidas até começar a trabalhar. Não me sentia pronto nem muito capaz de acrescentar valor a quem me contratasse. No entanto, percebi rapidamente as ferramentas que possuía quando me deparava com problemas, sobretudo na hora de estruturar e simplificar casos complexos, aplicar a lógica para os resolver e analisar a decisão. Aproveito para deixar aos estudantes um conselho que tem muito a ver com a minha filosofia de contratação e que assenta em três pilares: os valores, o comportamento e a motivação; as competências; e, por último, a experiência. Em processos de recrutamento, a experiência conta 10% da avaliação, uma vez que é algo que se adquire naturalmente com o tempo. As competências equivalem a 30%, porque, para além do tempo, é necessário investir em formações, desenvolvimento e coaching. Já os valores, o comportamento e a motivação pesam 60%.
 
É o fator mais importante na hora de contratar?
Diria que sim, porque por muito tempo que passe e por mais investimento que se faça, é extremamente difícil influenciar os profissionais nesse âmbito. Por isso, aos jovens que estão prestes a entrar no mercado do trabalho, ou até aos mais experientes que vão abraçar um novo desafio, queria deixar uma mensagem: não tenham receio se não tiverem a experiência e as competências certas. Se tiverem a motivação, o comportamento e os valores certos, irão com certeza tornar-se numa mais-valia para qualquer empresa.
 
“Sinto-me cada vez menos em casa na minha terra”
 
Trabalhou pouco tempo em Portugal. Começou no Departamento de Inovação e Desenvolvimento da Sonae MC, no Porto, seguindo depois para a Accenture (Espanha), a McKinsey & Company (República Checa) e agora a Amazon (Luxemburgo). Construir uma carreira internacional fazia parte dos planos?
Não fazia parte dos meus planos até participar no programa Erasmus. Quando regressei senti um vazio que estava relacionado com a sede de aprender e conhecer como se faz e como se pensa noutras culturas. Por isso, comecei logo a procurar emprego no estrangeiro. Saí de Portugal em 2007, antes da crise financeira, por curiosidade e pela necessidade de aventura. O meu plano sempre foi trabalhar fora durante apenas dois anos. No entanto, os projetos foram aparecendo e as oportunidades também, mantendo-me longe Portugal.
 
Como tem sido a adaptação?
Foi relativamente fácil, mas muito diferente entre cidades. Em Madrid senti-me assustado no início, porque foi a primeira experiência profissional fora, uma das poucas capitais da Europa onde não tinha amigos para me ajudar na transição. Senti-me deslocado devido à sua dimensão e ao facto de ser extremamente cosmopolita, mas isso durou pouco tempo [risos]. Madrid é uma cidade do mundo, com pessoas extremamente abertas e tolerantes que adoram a vida social. Antes de Praga, estive em Nova Iorque e Miami. A adaptação foi relativamente fácil porque tinha lá imensos colegas de trabalho e amigos. Não fiquei fã de Miami por causa do calor húmido e de a sociedade ser extremamente materialista. O lado positivo eram as viagens curtas às Bahamas ou outras ilhas das Caraíbas durante o fim de semana.
 
E também viveu em Praga durante quatro anos...
Exatamente. Praga era uma antiga paixão e foi onde mais gostei de viver. Senti-me em casa e fui muito feliz! Adorei a qualidade de vida, a cultura, a vida social e a história da cidade. Não foi uma decisão fácil mudar-me depois para o Luxemburgo, mas a proposta da Amazon era irrecusável. A cidade é menos cosmopolita do que as anteriores, mas é algo que aprecio nesta fase da minha vida. O civismo, a qualidade dos serviços públicos, o foco nas crianças e em tudo o que as rodeia ou o simples facto de nos podermos deslocar para o trabalho de bicicleta. É uma cidade em constante mudança que me tem surpreendido pela positiva. Extremamente diversa e tolerante, 50% da sua população é estrangeira e conta com mais de 170 nacionalidades.
 
Sente-se em casa fora de Portugal?
Não sei se alguma vez me senti em casa fora de Portugal, mas sempre encontrei algo que me fizesse sentir feliz e desse energia. Terei um problema no futuro caso volte. É que, a cada ano que passa, sinto-me cada vez menos em casa na minha terra...
 
Quer uma carreira internacional? É preciso muito planeamento e resiliência
 
Que conselhos deixaria aos estudantes que querem seguir o mesmo caminho?
Talvez três conselhos! O primeiro é planeamento e mais planeamento. É importante definirem qual é o vosso grande objetivo de vida e tentarem projetar-se a 5-10 anos. Refletirem sobre o que gostavam de ser no futuro e elaborarem um plano de possíveis caminhos ou cenários para aumentar a probabilidade de lá chegarem. Em segundo lugar, sejam resilientes e olhem sempre para as oportunidades e não para as dificuldades. Procurem as pequenas coisas que vos dão energia e foquem-se nelas para ultrapassar os momentos mais complicados. O terceiro conselho é que enfrentem as oportunidades no estrangeiro não apenas como uma transação comercial em que podem ter o cargo X ou o salário Y, mas como uma proposta de valor mais ampla. Pensem nas novas amizades que podem fazer e no conhecimento que podem adquirir ao nível da cultura, história, arquitetura, gastronomia e afins. Existe um trade off muito positivo quando pesamos todas as mais-valias de uma experiência internacional.
 
É diretor de compras da Amazon para a Europa. O que é que isso implica?
Vou tentar explicar, apesar de todos os dias serem uma espécie de primeiro dia [risos]! A Amazon Europa opera em 11 países e conta com uma rede de mais de 600 pontos de distribuição. Um exemplo da nossa operação é que em menos de 10 anos construímos a Amazon Logistics, uma empresa de logística que já é das maiores do mundo. Para isso poder acontecer, a estretégia e os planos iniciais têm que ter em conta vários parâmetros, muitos deles associados à capacidade dos nossos fornecedores em construir, produzir e entregar o que precisamos para conseguirmos concretizar a expansão do negócio. Para isso, temos que trabalhar em parceria com muitos interfaces, analisar o risco, avaliar a performance dos agentes externos e selecionar fornecedores que consigam dar resposta aos nossos planos de longo prazo. Eu vejo a minha equipa de mais de 500 colaboradores como o principal interface dos fornecedores e um facilitador da operação na Europa. É um mundo extremamente exigente, mas super dinâmico e divertido, que nos permite estar envolvidos em projetos únicos em termos de investimento, dimensão e inovação e numa cultura de negócio muito própria.
 
Suponho que o trabalho duplique durante a época de Natal...
Existe um fator multiplicador no Natal certamente. É uma época muito especial dentro da empresa, com uma grande mobilização dos colaboradores para assegurar que todos os clientes recebam as suas compras o mais rápido possível. Antes do Natal, o nosso pico de trabalho está mais relacionado com a expansão do negócio ou a abertura de novos pontos de distribuição, para que, no último trimestre do ano, consigamos assegurar uma resposta eficiente ao aumento do volume de pedidos por parte dos nossos clientes!
 
Trabalha na área das compras há 15 anos, desde que chegou à Accenture. Vê-se a mudar de ramo no futuro?
Sendo uma área relativamente recente, acho que muitas empresas ainda não perceberam em que consiste um bom procurement e o valor que pode acrescentar às organizações. Apesar de trabalhar na área há tanto tempo, existem várias sub-áreas muito diferentes entre elas, desde category management, sourcing, supplier performance management, supplier development, purchase to pay, supplier risk management, contract management, entre outros. Já passei por quase todas, por isso talvez me veja a fazer, num futuro próximo, algo diferente para continuar a estimular o meu desenvolvimento.
 
Tenciona regressar a Portugal?
É uma questão com a qual me tenho debatido nos últimos dois anos, sobretudo durante a pandemia. A minha esposa não é portuguesa e as minhas filhas não nasceram em Portugal. Mas os meus amigos e a minha família estão em Portugal e “casa” é onde estão as pessoas que amamos. Por isso, é natural que pense no assunto de vez em quando. Devido à minha experiência a viver ou viajar em vários países do mundo, tenho alguma base de comparação. Portugal não tem, com muita pena minha, o necessário para atrair e reter portugueses. Existe um défice de investimento em setores essenciais como o ensino, a justiça e a saúde. Há um asfixiamento de indivíduos e empresas que trava o crescimento do país para este poder ser competitivo com as demais nações da Europa e proporcionar bem-estar e mais oportunidades para toda a população.
 
É um dos 12 mentores do Programa Mentoria Internacional UMinho, que se estreou há uma semana. Que importância tem para si manter-se próximo da sua Universidade?
Acho que estes programas são fundamentais. A UMinho tem vindo a realizar, nos últimos anos, um excelente trabalho para estar mais próxima das empresas e dos seus alumni. Recordo-me dos meus tempos de universidade e estou imensamente grato a todos os mentores, formais e informais, que me ajudaram. A informação que recebi e os desafios que colocaram levaram-me a pensar o futuro de forma diferente e isso contribuiu muito para o meu percurso. Por entender bem o valor e o impacto de um mentor, é muito importante para mim poder retribuir e tentar ajudar os talentos do futuro. Atualmente, tenho dezenas de mentorandos, através de outros programas de mentoria, e continuo a ter vários mentores informais. Aproveito para deixar mais uma dica: mantenham mentores ao longo da vida para vos ajudarem a ter mais clarividência nas diferentes fases da vida pessoal ou profissional.
 
Curiosidades sobre Daniel Mendes da Silva
 
Um livro. “The Culture Map”, de Erin Meyer.
Um filme. “Snatch”, de Guy Ritchie.
Uma série. Seinfeld.
Uma música. “Virtual Insanity”, de Jamiroquai.
Um clube. FC Porto.
Um desporto. Basquetebol.
Uma viagem. Japão.
Um vício. Fórmula 1 aos domingos.
Um prato. Feijoada a transmontana.
Uma personalidade. Nelson Mandela.
Um momento. Um cliché, mas é impossível ser outro: o nascimento das minhas filhas.
UMinho. Descoberta, aventura, amizade e sonhos.