A alumna licenciada em Biologia Aplicada e doutorada em Ciências da Saúde está a trabalhar no IPO de Lisboa há quatro anos. “Tive uma semana para mudar a minha vida para Lisboa”, recorda a fafense. ​

Notícias de Fafe (NF): Como surgiu a oportunidade de trabalhar no IPO de Lisboa? 
Marta Pojo (MP): Licenciei-me em Biologia Aplicada, porque achei interessante a parte de investigação e porque gostava muito de ciências (biologia, química, matemática, física). No início não gostei do curso e achei que seria infeliz passando todo o dia sozinha a trabalhar, e que precisava do contacto entre pessoas para ser feliz na minha profissão. Demorei algum tempo a perceber que estava errada. A investigação é um trabalho de equipa, não é de todo um trabalho solitário. Quando terminei a licenciatura decidi continuar os meus estudos. Optei por um mestrado com uma componente mais ligada ao empreendedorismo e biotecnologia que me poderia dar mais oportunidades de trabalho. Mas ironicamente, foi durante esse mestrado que me descobri que queria mesmo fazer investigação mais fundamental, e que independentemente das dificuldades era aquilo que queria fazer. No final da tese de mestrado concorri ao doutoramento na Escola de Medicina da Universidade do Minho e entrei. E foi no doutoramento que comecei a trabalhar na área da oncologia, mais especificamente com tumores cerebrais. Foram 5 anos de muita dedicação e trabalho, mas de grande realização pessoal. Por isso continuo na área de oncologia, mas agora no IPO de Lisboa. Em Setembro de 2015 estava a escrever a minha tese de doutoramento, pois a minha bolsa de doutoramento terminava em Dezembro, e foi nessa altura que comecei a ver alternativas. Vi esta oportunidade para um investigador doutorado no IPO de Lisboa. Concorri, passados alguns dias fui chamada para entrevista e fiquei.​

NF: Trabalhar nesta área era algo que sempre desejou fazer? 
MP: Aconteceu, desde pequena que tinha curiosidade sobre o assunto, pois tive contacto com o tema muito cedo, pois um familiar teve uma doença oncológica. Depois durante a minha formação académica comecei a ficar muito interessada na capacidade que as células tumorais têm de fugir à normalidade e consegui rem sobreviver nos ambientes mais hostis. No doutoramento não tive dúvidas que queria esta área, e hoje estou confiante da minha escolha. 
 
NF: Como tem sido a experiência de trabalhar no IPO de Lisboa? 
MP: Defendi a minha tese a 7 de janeiro de 2016 e passado 1 semana estava a começar no IPO de lisboa. Tive uma semana para mudar a minha vida para Lisboa. A experiência está a ser muito boa. Conheci pessoas novas e novas formas de trabalhar. Comecei a trabalhar com outros tipos de cancro (não apenas tumores cerebrais), trabalho directamente com médicos, o que enriquece muito a minha investigação. Adicionalmente posso fazer investigação que pode ter uma aplicação mais rápida e isso é bastante entusiasmante. Além do IPO, também colaboro com a Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Sul, que tem financiado, em grande parte, a investigação que tenho feito. 
 
NF: A Marta e os seus colegas descobriram alterações genéticas que poderão ser responsáveis pelo aparecimento de cancros hereditários com propensão para algumas formas mais agressivas da doença. Como explica esta investigação?
MP: Sim, foi o projeto que me trouxe para o IPO de Lisboa. O cancro hereditário representa apenas 10% de todos os cancros, a maioria dos cancros (90%) são esporádicos. Contudo, existem famílias em que claramente há uma predisposição para terem um ou vários tipos de cancro. Actualmente, já se conhecem mutações germinais que estão na base dessa agregação familiar. Contudo, existem famílias que desconhecem a causa genética. No IPO de Lisboa existe a clínica de risco familiar que segue actualmente dez mil famílias e apenas uma pequena fracção destas famílias tem uma alteração genética conhecida. Assim nasceu este projecto para tentar descobrir novos genes associados ao risco familiar de cancro. Os tipos de cancro incluídos foram: cólon e reto, tiróide, próstata, ovário, melanoma e tumores hematológicos. 
 
NF: Quantas famílias estudaram? 
MP: Foram estudadas várias famílias, o número depende do tipo de cancro em causa, pois depende da frequência e da letalidade do tipo de cancro em causa. Mas de uma forma geral o projecto iniciou-se com alguns membros de uma família de cada tipo de cancro. Foi feito "whole exome sequencing", ou seja, foi analisado todo o exoma desses indivíduos, toda a parte codificante do genoma. Posteriormente, as variantes genéticas mais promissoras foram analisadas também noutras famílias. 
 
NF: A que conclusões chegaram? 
MP: Encontramos potenciais variantes genéticas, que não tinham sido descritas até então, e que poderão aumentar a susceptibilidade para o desenvolvimento de um determinado tipo de cancro. 
 
NF: De que forma é que esta investigação pode ajudar as famílias na detecção precoce destes cancros? 
MP: Pegando no exemplo do melanoma, o melanoma é um tipo de cancro em que a detecção precoce é de facto determinante para a cura dos doentes com esta neoplasia. Se uma família com vários casos de melanoma souber que tem uma alteração genética responsável por esta agregação familiar isto poderá ter um grande impacto. Haverá um diagnóstico genético, a vigilância clínica poderá ser alterada o que levará a uma detecção precoce ou mesmo a prevenção. 
 
NF: Esta investigação poderá ter implicações na prevenção, no diagnóstico genético, na vigilância e no tratamento do cancro hereditário. Chegar a estas conclusões tão positivas faz todo o trabalho valer a pena? 
MP: Os resultados obtidos são muito importantes, pois ajudou a conhecer melhor aquela doença e abre portas a novas linhas de investigação. E vale sempre a pena quando temos um objectivo que é contribuir para o maior conhecimento em oncologia. 
 
NF: Como era o seu dia-a-dia? 
MP: No total, entre clínicos, investigadores e técnicos de laboratórios seriam aproximadamente 30 pessoas. O trabalho de equipa na fase de execução do projecto era dentro de cada grupo, reunia em cada grupo e planeávamos o que o que fazer e como fazer. Eu estive sempre a dar apoios aos grupos que estudavam cancro hereditário. Analisar os dados da sequenciação do exoma (são imensos dados), validar essas variantes noutros indivíduos de outras famílias, mas também em casos controlos, isto é, indivíduos saudáveis sem doença. Posteriormente realizei estudos in vitro de forma a avaliar a patogenicidade das variantes encontradas. 
 
NF: Qual é o próximo passo? 
MP: Relativamente ao cancro hereditário é alargar o estudo a mais famílias que não tenham uma causa genética conhecida. Neste momento estou mais focada no melanoma esporádico, cuja incidência tem vindo a aumentar ao longo das últimas décadas, e pretendo estudar os mecanismos de agressividade destes tipos de tumores, porque há doentes que respondem bem aos tratamentos e outros não. 
 
NF: Acha que estamos mais perto da cura paro o cancro?
MP: O cancro engloba mais de uma centena de doenças diferentes, não há um cancro, há umas centenas de cancros, logo para alguns tipos de cancro estamos muito perto da cura, alguns já têm mesmo cura. Contudo para outras formas mais agressivas estaremos mais longe da cura. Mas o importante é entender que o papel da investigação é fundamental, o que hoje tem cura não teria se não fosse a investigação, e para que as formas mais agressivas tenham cura terá que haver muita investigação e apoio à mesma. 
 
NF: O que ainda está nos seus planos fazer?
MP: O meu plano é muito concreto, eu e a minha equipa vamos contribuir para um melhor conhecimento de uma determinada doença, mais especificamente estamos focados em contribuir para um melhor conhecimento da agressividade do melanoma. Porque há melanomas com comportamentos tão distintos? Porque há indivíduos que respondem tão bem às terapias atuais e outros não respondem? Ou porque alguns doentes só respondem durante um curto período de tempo e passado algum tempo a doença reincide? 
 
NF: Como encara toda esta situação da Covid-19? 
MP: Estou preocupada, tendo em conta o que acontece nos países vizinhos, é assustador. Por isso temos que cumprir os planos de contingência para evitar em Portugal o mesmo cenário. Mais uma vez dependemos do trabalho dos investigadores e da investigação científica para encontrarem uma vacina. Além da vacina a comunidade científica tem importantes contribuições, tratar, analisar e interpretar os dados de forma gerar um conhecimento útil no combate à doença. 
 
NF: Nestes dias de quarentena, como se trabalha em investigação? 
MP: As experiências laboratoriais estão paradas para evitar o contacto entre as pessoas. Contudo a investigação não é apenas fazer experiências no laboratório há muito trabalho que pode ser feito em casa: análise de resultados, escrita de artigos e projectos. Não há investigação sem estudo, para se construir um projecto bem fundamentado com perguntas pertinentes tem que haver um grande conhecimento do estado d'arte, com isto quero dizer, estamos sempre a estudar e a fazer pesquisa sobre o que o resto do mundo está a fazer para tentar entender o que está a ser feito e falta ser feito, ou então que pode completar o que outros laboratórios estão a fazer. Consequentemente surgem novas questões e é preciso planear novas experiências, e isto é tudo feito fora das bancadas de um laboratório. Para realizar essas experiências é preciso financiamento e concorrer a financiamento, para tal escrevemos projectos para concorrer a fontes de financiamento. Isto são tudo trabalhos que fazemos diariamente além das experiências laboratoriais, a vida de um investigador é muito para além da bancada de um laboratório por isso é que uma equipa é fundamental para conseguirmos fazer tudo isto. 
 
NF: Costuma vir a Fafe, pensa em voltar? 
MP: Sim sempre que posso visitar família e amigos. Gosto de tudo, acho uma cidade muito bonita e acolhedora e gosto principalmente das pessoas. Vivo em Lisboa. Voltar é algo que penso, pois é uma cidade que gosto, contudo não é fácil dado a minha profissão.
 
Notícia: Notícias de Fafe