Pedro Madeira Froufe, diretor do Departamento Ciências Jurídicas-Públicas da Escola de Direito da Universidade do Minho.

​Estamos a pouco tempo das eleições para o Parlamento Europeu. Estamos, também, a pouco mais de 2 meses da data de concretização formal do denominado “Brexit”. Se tudo corresse como seria desejável e estava programado, o Reino Unido deixaria de integrar a União Europeia às 23 horas do dia 29 de Março. Se tudo corresse como se pretendia, como foi pensado, depois de se ter assumido o “não” (à permanência na UE) no referendo britânico. Mas não está! Na verdade, nem sabemos sequer como se processarão as eleições europeias (para o Parlamento Europeu), com candidatos britânicos, ou não, nem tão pouco qual o número final de deputados a eleger. O impasse político em que o Reino Unido e a União estão mergulhados é o resultado de uma prática democrática clássica, pressupondo o seu contexto e dinâmica originais, ou seja, o Estado delimitado por fronteiras nacionais, voltado para si mesmo, para o seu povo (a saber, os seus nacionais) e construindo-se na crença de que esse Estado dispunha de uma soberania não influenciada, não limitada por nada que existisse para além dessas suas fronteiras – ou seja, por nada, mesmo nada, porque, nessa cosmovisão política tradicional e soberanista, para além dessas fronteiras nacionais, sob o prisma político, em rigor, nada poderia existir se não se sujeitasse ao exercício autónomo dessa soberania. Sucede que a decisão de abandonar a União, a autónoma decisão política de um Estado membro se “desintegrar” (como muitas outras), já não é um assunto estritamente delimitável dentro do quadro territorial de umas quaisquer fronteiras políticas nacionais. A dinâmica do mundo atual, global e globalizante, já não é nacional, nem sequer inter-nacional. É transnacional, senão mesmo a-nacional. E, em bom rigor, uma decisão tomada num referendo interno, nunca produz efeitos delimitados por tais fronteiras. A decisão política, tomada em referendo, não é, em bom rigor, uma decisão britânica e que só aos cidadãos britânicos diga respeito – como agora se ilustra, em termos práticos, com o impasse em que todos mergulhamos. Influencia o funcionamento institucional da UE, a economia da generalidade dos Estados membros, os cidadãos não britânicos que vivem no Reino Unido (para além da vida dos cidadãos britânicos que estão fora do Reino Unido), desequilibra uma posição coletiva (ou seja, da própria UE) em vários tabuleiros geopolíticos, tem efeitos financeiros que, mesmo ao cidadão de algum longínquo Estado não integrado, podem chegar. Ou seja, tem efeitos em rede: em rede de Estados, em rede de mercados (ou mercados em rede) ou a redes de cidadãos de vários Estados, integrando várias comunidades políticas e que nunca puseram os pés no Reino Unido! E, contudo, se se pretende respeitar de forma sacrossanta os princípios do funcionamento democrático nacional, prósoberanista, se se invocam princípios como o da responsabilidade política e da boa “governança”, se se clama pela participação direta (através de um referendo) como fator de vivificação dos quadros democráticos, se se invoca tudo isso, então há aqui uma contradição insuperável: nem todos os afetados diretamente pelo “Brexit” puderam votá-lo (claro que se o resultado tivesse sido o inverso, o raciocínio aplicar-se-ia igualmente). Uma decisão política (supostamente) nacional, com estas características, assim tomada em referendo ou em eleições, bem vistas as coisas e sob o ponto de vista da principiologia fundante da democracia nacional clássica (repito, materialmente falando) é, afinal de contas, pouco democrática. Theresa May está presa ao mandato “desse” seu povo - como, de resto, qualquer Primeiro – Ministro teria que estar. No entanto, cada vez mais, nestas crises, evidencia-se o desajustamento dos quadros institucionais e constitucionais do nosso velho “Estado nação”, com parte da realidade do mundo em que (agora) vivemos.


Artigo de opinião publicado no Correio do Minho