Formada em Psicologia, Simone Costa é educadora num jardim-de-infância de um resort de esqui na Áustria. Com o seu projeto Globetrotter, já visitou e documentou 37 comunidades educativas fora do comum.


Como foi o seu primeiro dia na UMinho e que recordações guarda dessa época?

Cheguei à UMinho em 1999, transferida, por opção pessoal, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação (FPCE) da Universidade de Coimbra, para o 2.º ano do curso de Psicologia. Já não era um primeiro dia de Universidade, mas sim um primeiro dia na UMinho. Acabei por participar na praxe porque ainda tinha disciplinas do 1.º ano. Senti uma grande diferença ao chegar cá. A UMinho era mais moderna e dinâmica do que a FPCE. Guardo dessa época excelentes memórias, como as ousadas aulas do professor José Cruz, de Psicologia do Desporto, a iniciar ao som das músicas dos Queen.

 

Em criança sonhava ser atriz ou cantora. Acabou por mudar de ideias e optar pelo curso de Psicologia. Porquê?

Na altura, não havia em Bragança escolas de artes performativas, como há hoje o Conservatório. Isso não me impediu de aprender música e fazer teatro sempre que podia. A psicologia surgiu curiosamente no meio de indecisões vocacionais e por gostar de muitas coisas em simultâneo. Adorava artes, mas também gostava de estar e comunicar com pessoas, chegando até a ponderar jornalismo e arquitetura. No 10.º ano, embora estivesse inscrita na disciplina de Desenho e Geometria Descritiva, decidi assistir voluntariamente às aulas de Psicologia, submetendo-me a exame no 12.º ano. Tirei 18 valores, seguindo quase uma lógica de homeschooling (ensino doméstico). Sempre gostei de estabelecer novas conexões, ajudar pessoas, resolver conflitos… Candidatei-me a Psicologia por achar que era uma área que unia as outras todas.

 

Foram cinco anos intensos durante os quais participou em vários intercâmbios e projetos de mobilidade internacional. Valeu a pena?

Os gap year não eram comuns nessa altura, como noutros países europeus. Sempre senti a necessidade de viajar e de me conectar com o mundo. Por isso, aproveitei para o fazer o mais que pude. Estive em Espanha, Itália, Alemanha, França, Reino Unido e Palestina. Valeu a pena e significou tudo! Os programas curriculares deveriam conter blocos obrigatórios de participação em intercâmbios internacionais. Deveríamos todos passar por uma experiência semelhante, pois somos parte de um todo diverso.

 

Este "espírito aventureiro" é uma das características que mais a define?

Creio que é um traço que orientou e se tornou fio condutor do meu percurso atípico e conscientemente eleito. Transformou a minha vida num gap year contínuo [risos].


Depois do curso concluído, recusou o cargo de psicóloga no Sporting Clube de Braga (SCB) para fazer um interrail de dois meses por 14 nações da Europa.

Tomei essa decisão em 2003. Tinha acabado um estágio curricular de um ano como psicóloga do desporto no SCB, onde conheci a então treinadora Sameiro Araújo, agora vereadora da Câmara de Braga, e atletas fantásticas, como a Filomena Costa. Podia ter continuado a colaborar com o clube, mas a necessidade de desenvolvimento pessoal levou-me a procurar outras oportunidades de mobilidade. Foi aí que descobri o Serviço Voluntário Europeu, ao qual concorri com o apoio do Instituto Português da Juventude e da Associação Juvenil Rota Jovem. Queria muito aprender línguas e sentia que precisava de desenvolver a "minha pessoa" ainda mais. O fator "experiência internacional" tornou-se num requisito mínimo a cumprir para "me tornar uma pessoa inteira". A ideia de educação ao longo da vida faz-me todo o sentido. É o que me tem guiado até hoje e o que me permite alcançar um desenvolvimento íntegro, para além de meramente cognitivo.​

 

A viver um gap year contínuo

Foi aí que deu início ao projeto "Globetrotter"? Com que propósito?

Digamos que tudo começou a partir daí [risos]. Candidatei-me ao Programa Juventude em Ação - hoje Erasmus+ - para fazer voluntariado na Escola Waldorf-Steiner, em Karlsruhe, Alemanha. Fiquei a conhecer a pedagogia Waldorf, muito diferente da que existe nas instituições standard em Portugal, além de outros projetos educativos inovadores, como as escolas da Floresta, que realizam todas as suas atividades no meio da natureza. Depois disso, consegui, através do mesmo programa, um financiamento de 5 mil euros para criar um projeto que partilhasse as aprendizagens adquiridas no âmbito do voluntariado. Assim nasceram os primórdios do "Globetrotter". A ideia era conhecer, visitar e documentar projetos educativos alternativos em vários países. A minha viagem começou na Noruega, seguindo para Suécia, Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo, Suíça, Áustria, Hungria, Eslováquia, França, Espanha, Itália e Portugal. O projeto estende-se até hoje. Entretanto, já visitei projetos fora da Europa, como a Green School Bali, na Indonésia, considerada a escola mais verde do mundo.

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Foi à boleia deste projeto que conheceu 37 comunidades educativas de 17 países. Que práticas a surpreenderam mais?

Há práticas que têm muito a ver com a cultura de cada país, como é o caso de parques para caminhar descalço dos jardins-de-infância da Alemanha e Áustria ou as sestas no exterior das escolas norueguesas, independentemente das temperaturas. Sem esquecer a magnífica Green School Bali, conhecida pelo seu conceito de wall-less-ness (sem paredes) e shoeless environment (sem sapatos). Esta escola não tem paredes, foi construída com materiais sustentáveis como bambu e as crianças andam descalças. Há disciplinas de estudos verdes, caminhadas de recolha de lixo e, até, uma pessoa responsável pelo bem-estar dos professores e funcionários. Recordo-me, ainda, das particularidades das escolas Waldorf, com o seu calendário da alma; Morgen Kreis, com os seus ambientes livres de plástico e de brinquedos acabados; República das Crianças, em Odemira, uma das maiores ecovilas portuguesas; e do projeto da pianista Maria João Pires, com as magníficas residências de artistas de todo o mundo.

 

O curso de Psicologia ajudou-a nesse processo?

Sem dúvida. A componente neutra, de que estava consciente durante a licenciatura, foi-se desenvolvendo ainda mais com as viagens, aprendendo a aceitar as pessoas como são. Esta experiência de diversidade marcou quem fui, sou e serei. O curso fez parte de um percurso de educação mais formal que sustentou todos os outros percursos tão necessários de educação não formal ao longo da vida.

 

Trabalha cinco meses como educadora de infância num resort de esqui, na Áustria. Os restantes são reservados para viajar à busca de escolas diferentes. A sua vida é também ela alternativa. Imagina-se com o mesmo registo daqui a dez anos?

Obviamente! Acho que o core da minha personalidade e forma de estar é a vontade de seguir em frente, de encontrar um novo sol em cada horizonte. Esta mudança constante é o motor e a opção de vida que se irá manter, pois mesmo quando não viajo tento fazer algo que ainda não fiz. Por exemplo, ir a um concerto novo ou aceitar convites improváveis. É quase uma atitude "say yes" que permite várias possibilidades de descoberta e desenvolvimento. Mesmo que um dia tenha uma "vida mais standard" haverá sempre espaço para esta conexão com o mundo.

 

As suas estórias já originaram o livro "Globetrotter: Escolas e Comunidades Educativas no Mundo" e a exposição "Imagine a School". Qual é o próximo passo?

Gostava de cooperar no desenvolvimento da educação básica em Portugal, com um projeto assente na linha concetual das escolas da Floresta, mas assumindo um conceito mais abrangente. Um projeto que respeita a arquitetura orgânica dos espaços, fazendo uso, se possível, de materiais sustentáveis, como a cortiça, cooperando local, nacional e internacionalmente com projetos irmãos, como a Green School Bali, e recuperando algumas práticas, como as caminhadas de recolha de lixo e as aulas de estudos verdes.

 

O que nunca deixa para trás quando viaja?

Tudo o que vivi até aqui. A minha história, o meu background… E uma máquina fotográfica, claro.

 

Que mensagem deixaria neste momento a um(a) aluno(a) da UMinho?

If you never try, you will never know!


 Curiosidades


Uma música: "Beautiful", da cantora estadunidense India Arie.

Um livro: "El libro del niño. Una visión revolucionária de la educación infantil", da autoria de Osho, ou "Last Child in the Woods", de Richard Louv.

Um filme: "Wild", de Cheryl Strayed.

Uma personalidade: John Hardy, o fundador da Green School Bali.

Uma ilustradora: A britânica Beatrix Potter.

Um arquiteto: Elora Hardy, pelo projeto da Green School Bali, e Vo Trong Nghia, que projetou o Jardim de Infância de Cultivo, no Vietname.

Uma viagem: Viagem do projeto "Globetrotter".

Uma religião: "O amor é a única alquimia que transforma as pessoas. Deveria ser a única religião também. Então, torna-te absolutamente amoroso", de Osho.

Um desporto: Esqui nórdico, caminhada e caiaque.

Um vício: Café. Latte macchiatto, capuccino, etc.

Um momento: A chegada a Gili Air (Indonésia) sã e salva depois de uma viagem atribulada de barco. Ou o dia em que Carlos Fernandes Silva, ex-professor da UMinho, aceitou escrever o prefácio do meu livro.

Uma frase: "É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não sairmos de nós", de José Saramago.

Um ideal: "There is a sunrise and a sunset every day and you can choose to be there for it. You can put yourself in the way of beauty", retirado do filme "Wild".

Chegar ou partir? As duas, já que são inerentes uma à outra! Depois do "adeus" vem o "olá" e assim sucessivamente.


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