Bernardo é o mais velho. Tem agora 76 anos e um sonho por cumprir. O gosto pela pintura e pela escrita continuam a alimentar o desejo de escrever um livro, que partilhe as memórias do Ultramar. Com uma vida de histórias para contar, a vida profissional de Bernardo esteve ligada à rádio. 

“A Rádio Barcelos começou no meu quarto”, disse em entrevista à RUM, rádio que também se cruzou com ele. Casimiro tem menos 10 anos, conta agora 66. A música é companheira de aventuras. Fundador do Grupo Origem Tradicional foi escrevendo versos que se tornaram canções.

Manuel, também com 66, finta a doença todos os dias. Portador de Esclerose Múltipla, esteve ligado ao comércio. Três bracarenses que a Universidade do Minho tornou amigos e foi o gosto pela História que os uniu. 

“Eu era o aluno mais velho da UMinho e ainda devo ser”
 
Bernardo Belo Marques completou uma licenciatura em Arqueologia e outra em História. Diz-se “irrequieto” e, já com mais de 70 anos, decidiu passar o tempo de uma forma que não fosse “desenxabida”. Como não se revê nas pessoas que vivem a reforma “no jardim a jogar dominó” decidiu inscrever-se na Universidade. A ironia da vida levou “um catraio que não gostava de estudar e fugia às aulas” de volta aos bancos da escola, não por necessidade mas “por gosto”.
 
Começou pelo curso de Arqueologia. “Ainda me estavam na memória as aventuras do Harrison Ford no Indiana Jones, acompanhei algumas escavações, mas depois cheguei à conclusão que a idade já não me permitia andar de picareta na mão a escavar e resolvi mudar de curso”, explicou Belo Marques. Mudou para História, que considera ser uma forma de viajar.
Aos 70 anos, Bernardo Belo Marques partilhava o título de estudante da Universidade do Minho com filhos e netos, para quem reservava as actividades culturais que a UMinho proporciona além das aulas, já que, ainda que fosse estudante, “tinha a esposa à espera”.
 
“Eu era o aluno mais velho da UMinho e ainda devo ser”, comentou Belo Marques, que ainda pondera, apenas pelo gosto de estudar, avançar para um doutoramento.
Depois da licenciatura foi incentivado a continuar e acabou o mestrado com nota 17. A mesma que conseguiu Casimiro, com uma tese sobre S. Mamede de Este, freguesia que presidiu durante 10 anos.
 
“Os putos eram todos incríveis”
 
No seio de uma família humilde, Casimiro completou a 4.ª classe, mas com a indicação do professor de que “valia a pena investir” nele. No serviço militar completou o 6.º ano. Vendeu fatos durante 52 anos e, já perto da reforma, incentivado pelos filhos, inscreveu-se nos cursos da Universidade para maiores de 23 anos. Tal como Bernardo, dividia a paixão entre a História e a Arqueologia. Acabou por optar por História, que era o que o trabalho permitia, já que algumas das unidades curriculares de Arqueologia eram de presença obrigatória.
 
Não foi fácil conciliar o trabalho com os estudos, mas voltar à escola correu tão bem que acabou a frequentar um mestrado na mesma área. O mestrado “é um trabalho mais isolado”, por isso Casimiro gostou mais de frequentar a licenciatura, porque “os putos eram todos incríveis”. “Queriam sempre estar à nossa beira, sentia que eles gostavam mesmo da nossa companhia, talvez para absorver alguma coisa das nossas vivências particulares e eu dava-me muito bem com eles todos”, comentou.

Mas do contacto com os jovens resultaram também aprendizagens, sobretudo no que diz respeito às novas tecnologias. “Nós somos mais pecos que eles, apesar de termos tido uma unidade curricular, que nos ensinou a fazer o básico ao nível do word e até das bases de dados, mas eles ajudavam-nos e diziam-nos como fazer”, explicou.
 
“Foi interessante fazer todo este percurso”

Manuel terminou com 15 valores aquela que foi uma passagem feliz da sua vida. À semelhança de Casimiro, também se interessou pelos cursos para maiores de 23. No ano em que abriu o curso pós-laboral de História increveu-se, já que era a única forma de conciliar com a sua actividade comercial. “Só deixei de trabalhar no ano em que acabou a licenciatura, depois tive parado e fui fazer o mestrado”, contou em entrevista à RUM.
 
Para Manuel “foi interessante fazer todo este percurso” e já que a doença o obrigaria a parar a actividade profissional decidiu cumprir mais um objectivo de vida. “Se não vou poder trabalhar, não vou andar a passear de um café para o outro, tenho que me ocupar culturalmente”, relembrou.

“Foi difícil chegar até ao fim” , comentou, mas acabou, ao seu ritmo, por concluir o mestrado. Bernardo, Casimiro e Manuel foram colegas de universidade, um contacto que ficou para a vida, já que, ainda agora, se continuam a encontrar em tertúlias onde debatem temas da actualidade.
 
“Éramos mais velhos do que os professores”
 
Os três antigos estudantes não esquecem os bons momentos que viveram na academia, mas guardam com saudosismo o contacto com os professores e colegas, que ainda hoje mantêm.
“Além dos professores, que nos tratavam de uma maneira adulta, a juventude aceitou-nos muito bem e ainda hoje convivo com eles, com muito agrado. Claro que não ia para a noite, mas são boas recordações que me irão acompanhar para o resto da vida”, disse Bernardo.

“Há professores que nos apresentam como colegas, isso é muito bonito”, acrescentou Casimiro. Esta “interacção” também ficou na memória de Manuel Ferreira, que , relembra: “Éramos mais velhos do que os professores”.
 
“Quanto mais letradas forem as pessoas, melhor é o mundo”
 
“Não aconselho a ninguém que depois de uma certa idade tenha o sofá por companhia. Não aceito as pessoas que chegam à reforma e desistem, não há nada a somar-lhes à vida”, afirmou Belo Marques.

A opinião é partilhada por Casimiro Pereira que considera que “numa instituição como a UMinho há motivos para aprender o que quer que seja”. “Apesar de muitas pessoas acharem que não nos serve para nada o curso que tiramos, não tiramos proveitos monetários disso é verdade, mas tiramos um proveito maior e melhor, que é uma visao do mundo ampla”, acrescentou.
 
Aos 66 anos, o mestre Casimiro aconselha os mais jovens a “agarrar as oportunidades”. “Sempre que tive uma oportunidade eu aproveitei-a e tentei provar que tinha capacidades”, frisou.
Casimiro entrou na Universidade Minho com 60 anos e mostrou que não há idade para se atingir o topo, prova disso são as notas 20 que recorda com orgulho. Tempos que, diz, o fazem ver o mundo “muito mais além e aquém do que via antes”.
 
“Quanto mais letradas forem as pessoas, melhor é o mundo”, completou.  “Dentro da Universidade do Minho passaram-se tempos muito alegres. A nossa faixa etária marcou. Éramos bastantes e com uma presneça muito forte na UMinho”, disse Manuel Ferreira.
 
A educação é uma arma poderosa que se usa até ao fim da vida. E estes antigos estudantes são a prova de que aquilo que a UMinho uniu, agora, ninguém separa. “Estes anos são passagem”, diz o Hino da Universidade, mas Bernardo, Casimiro e Manuel são a prova de que os anos passam por nós da forma que quisermos e deixarmos. Chegamos ao fim da viagem que conta a história de três estudantes, que, com mais de 65 anos, conjugam o verbo querer como ninguém. Bernardo, Casimiro e Manuel são a prova de que na vida vamos sempre a tempo. De tudo. 
 
"A UMinho foi o complemento que me faltava na vida e que nesta idade me tornou ainda mais adulto", Bernardo Belo Marques, 76 anos
 
 "A UMinho é uma categoria e é uma casa onde toda a gente é acarinhada", Casimiro Pereira, 66 anos 
 
 "A UMinho para mim foi uma grande mais-valia", Manuel Ferreira, 66 anos​

Notícia: Rádio Universitária do Minho