Ana João Rodrigues é uma das investigadoras selecionadas no concurso Caixa Health Research 2020, da Fundação LaCaixa. A cientista do ICVS e também docente da Escola de Medicina angaria 500 mil euros para descodificar a forma como o nosso cérebro entende o que é prazer ou aversão, coordenando uma equipa constituída por Carina Cunha, Bárbara Coimbra, Rodrigo Oliveira, Nivaldo Vasconcelos, Nuno Sousa, Luísa Pinto, João Bessa e Andreia Castro.
 
Em que consiste o projeto proposto?
Desde que acordamos somos inundados com informação e o nosso cérebro evoluiu a filtrar e a focar-se em estímulos que são emocionalmente relevantes. E a forma como fazemos isso é atribuindo uma valência. Quando temos um estímulo que é recompensador, positivo, atrativo, atribuímos uma valência positiva. Enquanto que quando temos um estímulo mau ou aversivo, atribuímos uma valência negativa. E, claro, o nosso comportamento é de acordo com este selo que atribuímos àquele estímulo. O trabalho ao longo de várias décadas tem mostrado que há várias áreas do cérebro que codificam esta valência e uma dessas áreas é o nucleus accumbens. Só que, na verdade, apesar de sabermos que esta área codifica valência, não sabemos como. E este projeto tenta perceber como é que aqueles neurónios conseguem codificar a valência e distinguir um estímulo positivo de um negativo. E isto é importante para nossa tomada de decisão diária.

Como é que afeta essa nossa tomada de decisão?
A tomada de decisão é cortical, o que estou a falar é mais primitivo, mais relacionado com o instinto. Todos os organismos simples têm a capacidade de perceber que um estímulo é positivo ou aversivo. Se for positivo é algo que eu quero, que vou trabalhar para conseguir, como comida. Enquanto que se for aversivo, vamos querer evitar ou fugir, como se for um predador ou fogo. Isto é quase instintivo. Obviamente que se alguma coisa correr mal nesta fase, a tomada de decisão também não vai ser correta, porque a valência que atribuíste àquele símbolo vai estar alterada.

A longo prazo, o projeto pode ter implicações positivas em patologias como a adição ou a depressão. Como podemos atingir esse impacto?
Ao compreender melhor como é que o nosso cérebro codifica o prazer e a aversão, algo positivo e algo negativo, nós conseguimos perceber como é que depois tomamos determinadas decisões, o que está na base de algumas decisões do dia-a-dia. O que acontece é que nalgumas doenças, inclusive a adição e a depressão, os indivíduos tem défices neste sistema que codifica o prazer e a aversão. Se compreendermos como isto acontece do ponto de vista fisiológico, conseguimos perceber o que acontece quando está disfuncional, como por exemplo nestas doenças.

Qual a importância de receber este financiamento, principalmente sendo uma recompensa pelo trabalho realizado e pelo projeto?
Este financiamento é extremamente importante porque nos vai permitir desenvolver experiências que de outra forma não conseguiríamos desenvolver. Vai-nos possibilitar comprar algum equipamento de topo que nos vai permitir avaliar a atividade neuronal e estes mensageiros no cérebro de uma forma que até à data era impossível de fazer com uma grande resolução. Este projeto vai permitir fazer ciência de elevada qualidade e com outputs excelentes. Isto é bom para a equipa, mas também para toda a comunidade científica porque os dados gerados serão disponibilizados e, portanto, será uma contribuição muito importante para a ciência. Não é só uma bolsa com impacto no nosso trabalho diário, mas vai além disso, e pode originar descobertas que serão importantes para a comunidade científica.