A estudante de 24 anos, natural de Barcelinhos, aperfeiçoou um modelo biomecânico para estudar a marcha humana com e sem lesão no ligamento anterior cruzado (LAC). Foi recentemente distinguida com uma Bolsa de Excelência pela nota de 20 valores na sua dissertação do mestrado integrado em Engenharia Biomédica, sendo também a melhor aluna do 5º ano de todos os cursos de graduação da UMinho no ano letivo anterior. 

Em que se baseou a sua dissertação?
Consistiu no desenvolvimento e utilização de um modelo biomecânico do membro inferior humano, com o objetivo de estudar a marcha humana em condições fisiológicas saudáveis e patológicas. O modelo é constituído por duas pernas, cada uma com três articulações, nomeadamente a anca, o joelho e o tornozelo, e um segmento a mimetizar a parte superior do corpo chamado de HAT (Head, Arms and Trunk). Para além disto, o modelo é constituído por sete músculos em cada perna para melhor mimetizar a dinâmica do corpo humano. Utilizei os softwares MATLAB e o Simulink.

Dividiu o seu trabalho em duas fases distintas.
Certo. A primeira fase consistiu no estudo do modelo com caraterísticas da marcha de um paciente em condições saudáveis, ou seja, sem qualquer tipo de patologia da marcha. Posteriormente, estudei a marcha em condições patológicas e a patologia que analisei foi a rutura do LAC do joelho. Está associada a atividades como o andebol, futebol e basquetebol, que envolvem mudanças rápidas na direção, combinadas com aceleração e desaceleração do corpo. Estas ações causam lesões do LAC, por vezes levam à sua rutura e, em alguns casos, à necessidade de procedimentos cirúrgicos e de reabilitação para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Em ambas as marchas, onde estava concentrada a sua observação?
Analisei os eventos que ocorrem a nível articular, como a amplitude de movimentos e forças ao longo da marcha, e comparar com dados experimentais presentes na literatura.

A que se deve a necessidade de recorrer a esses dados?
O objetivo desta comparação é permitir a validação do modelo. Ou seja, são utilizados dados da literatura obtidos por análise cinemática da marcha humana, que são depois comparados com os dados computacionais obtidos pelo modelo, para se verificar se estão em conformidade. Caso haja conformidade, significa que o modelo biomecânico computacional é capaz de reproduzir as caraterísticas da marcha humana e pode ser utilizado para fazer os estudos que desejamos.

Tudo isso com um objetivo futuro?
Sim! Haver a possibilidade de se aplicar este modelo ao desenvolvimento de dispositivos médicos (ortóteses) de auxílio à reabilitação de pessoas nestas condições. Quer dizer, há a possibilidade de importar um modelo CAD (computer aided design) que represente a ortótese (desenvolvido, por exemplo, na plataforma SolidWorks) para o Matlab/Simulink e adicioná-lo ao modelo com patologia para estudar e analisar, por exemplo, as forças que essa ortótese tem de proporcionar ao paciente durante a marcha em ambiente de reabilitação. Esta parte já não se enquadrou na minha dissertação, mas seria um objetivo para continuar o projeto.

Que resultados obteve? 
As variáveis analisadas na dissertação podem ser divididas em três grupos: dados cinemáticos (ângulo das articulações do membro inferior, nomeadamente anca, joelho e tornozelo), dados cinéticos (torques das mesmas articulações e força vertical de reação com o solo) e ativações dos sete músculos de cada membro inferior. Para o modelo biomecânico saudável, considerando os ângulos das articulações, os resultados apresentam uma concordância muito boa com os dados presentes na literatura. Os dados cinéticos demonstram algumas semelhanças, assim como algumas discrepâncias. Os padrões de ativação muscular apresentam ligeiras diferenças quando comparados com a literatura. A implementação da patologia consistiu na diminuição do torque produzido pelos músculos (quadríceps e hamstrings) afetados pela lesão do LAC após a reconstrução cirúrgica. A variável mais próxima da literatura é a força vertical de reação com o solo, enquanto os restantes dados apresentam alguns desvios em relação à literatura.

Há muita investigação nos modelos computacionais biomecânicos?
Sim, principalmente relacionada com o membro inferior, como o meu estudo. Para conhecer mais sobre a investigação existente e me orientar no início da dissertação, escrevi um artigo de revisão sistemática sobre os modelos biomecânicos do membro inferior. Isso permitiu-me conhecer o "estado da arte".

Que fator diferenciador tem o seu trabalho? 
O facto de ter sido aplicada uma patologia ao modelo biomecânico utilizado. É muito comum utilizar modelos biomecânicos do membro inferior para analisar a marcha em condições fisiológicas saudáveis (sem qualquer tipo de patologia associada), sendo a modelação computacional de uma patologia nestes casos uma área não tão investigada, pela menos para já.

Porque decidiu abordar este tema?
Ao longo da licenciatura sempre me interessaram mais as unidades curriculares ligadas a modelação computacional e engenharia mecânica. No 4º ano do mestrado integrado, no ramo de Biomateriais, Reabilitação e Biomecânica, frequentei uma unidade designada Biomecânica e, desde aí, soube que seria isso que gostaria de seguir. Falei com um dos meus orientadores e surgiu a oportunidade de me candidatar a uma Bolsa de Iniciação Científica para desenvolver este projeto de dissertação.

Porque escolheu os professores Óscar Carvalho e Paulo Flores, do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia da UMinho, para orientar a tese?
Durante o mestrado integrado, desenvolvi um grande interesse pelas áreas que ambos lecionavam. Além disso, são referências na investigação e excelentes pessoas. A escolha foi, para mim, bastante clara. 

Concluiu a dissertação com a nota máxima. Qual é a sensação?
O projeto no qual estive inserida foi muito desafiante, muito trabalhoso, mas, acima de tudo, permitiu-me viver experiências enriquecedoras e crescer muito em termos profissionais e pessoais. A sensação de ter acabado o 5º ano com esta nota foi a de dever cumprido, é a sensação de ver que os desafios propostos foram superados. É saber que todo o trabalho desenvolvido e todo o esforço colocado neste projeto foram reconhecidos. É importante realçar que a unidade curricular que frequentei no 5º ano foi a dissertação em Biomateriais, Reabilitação e Biomecânica, onde obtive essa nota. Ainda assim, a minha média final de curso é de 17 valores.

Como se consegue obter um 20?
Com muito esforço, dedicação e gosto pelo tema e pela área de investigação. A persistência é fulcral, porque nem tudo é fácil nem corre bem à primeira. Nunca desistir e procurar outras soluções e ajuda é uma ótima maneira de pensar e de continuar o trabalho. No entanto, nem tudo se consegue sozinho. Tive um enorme apoio dos orientadores, que sempre se disponibilizaram e me guiaram. O apoio de colegas de curso e da família também contou para o sucesso.

Que significado teve receber a Bolsa de Excelência?
Teve um significado muito especial pelo facto de ser o primeiro prémio deste género que obtenho na UMinho e por me ter sido atribuído no último ano do curso, significando o culminar de um percurso e o fechar de um ciclo enriquecedor.

Agora segue-se o doutoramento… Vai continuar o trabalho neste tema?
Vou iniciar em setembro o programa doutoral em Engenharia Mecânica, continuando assim pelo campus de Azurém, em Guimarães. Decidi mudar de tema: será mais orientado para o desenvolvimento de um dispositivo médico para o tratamento precoce de uma patologia do braço, que afeta muito a população trabalhadora. Porquê? É um tema muito abrangente, com um objetivo bastante claro e que me permitirá obter conhecimento em várias áreas de investigação.

Vê-se a trabalhar nesta área como investigadora?
Para já, a minha resposta é sim, com toda a certeza. Gosto muito da investigação, de saber que estou a contribuir para o desenvolvimento e o auxílio da sociedade. No entanto, ainda vão decorrer quatro anos de doutoramento, pelo que muitas circunstâncias se vão passar. Quem sabe o que o futuro me trará? [sorriso]

O que se vê a fazer daqui a cinco anos?
O meu objetivo para o final do doutoramento ainda não está completamente definido. Há a opção de continuar na academia ou de enveredar pelo mundo da indústria. Para já, no doutoramento quero fazer o melhor que puder para aprender, obter bons resultados e sentir-me realizada naquilo que faço. O meu orientador e coorientadores serão os professores Paulo Flores, Óscar Carvalho e Nuno Sevivas, respetivamente.

Porque escolheu a UMinho para estudar?
É uma instituição muito prestigiada, com competências no campo do ensino e investigação, e acredito que me pode proporcionar muitas qualidades a nível pessoal e profissional para construir uma carreira sólida.

Pratica ténis e voluntariado
Praticante de ténis há muitos anos, Mariana Silva gosta de ajudar o próximo. Fez voluntariado na Paróquia do Marquês, no Porto e na ReFood, em Braga. Tem o gosto de viajar e, de novembro de 2017 a abril de 2018, voou até à Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, no âmbito do programa Erasmus, sob orientação do professor Daniel Renjewski. Entretanto, em janeiro deste ano, iniciou uma bolsa de investigação no âmbito do projeto “Advanced metal-diamond composites for thermal applications”, orientada pelo professor Filipe Samuel Silva, do Departamento de Engenharia Mecânica da UMinho, e com cofinanciamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, através do Programa Operacional para a Competitividade e Internacionalização, e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Fonte: NÓS - Jornal online da Universidade do Minho