Há cerca de 350 beatas no interior deste tijolo. Isto quer dizer que, numa parede de quatro por três metros, será possível colocar algo como 300 mil pontas de cigarro. "Encontrámos o melhor destino para este resíduo", garante Nuno Silva, que é investigador do Laboratório da Paisagem, uma das três entidades envolvidas no desenvolvimento deste produto.

Há quase quatro anos que o Laboratório da Paisagem, uma unidade de investigação e educação ambiental partilhada pela Câmara Municipal de Guimarães e a Universidade do Minho, e o Centro de Valorização de Resíduos (CVR), da mesma instituição de ensino superior, procuravam a melhor forma de valorizar as pontas de cigarros. Na mesma altura, tinha sido lançado o Eco Pontas, um grande cinzeiro, colocado em diferentes pontos de Guimarães, que, através da interacção com os fumadores – são feitas perguntas mensalmente a que se responde colocando a ponta do cigarro no local da resposta que se pretende dar – , tenta recolher este resíduo. O projecto venceu um Green Project Award, atribuído pela Sociedade Ponto Verde, em 2016, e, desde então, foi vendido a 15 entidades (municípios e privados) em todo o país. Hoje, há cerca de 100 Eco Pontas em Portugal.

O que faltava era responder à questão: o que fazer com as beatas recolhidas? Só em Guimarães, são cerca de 8000 por mês. O CVR e o Laboratório da Paisagem testaram várias possibilidades – da valorização energética à utilização agrícola –, mas nenhuma se revelou viável não só porque as pontas de cigarros "têm uma carga poluente tremenda", como há muitos custos associados à limpeza ou separação deste resíduo, explica Nuno Silva. A introdução em materiais cerâmicos é a resposta, diz.

Para já, existem apenas protótipos dos tijolos, cada um com uma percentagem diferente de pontas de cigarro no seu interior. O CVR está a terminar um estudo para perceber qual a quantidade ideal que pode ser usada sem colocar em causa os requisitos estruturais de cada bloco – garantindo a robustez necessária à utilização na construção.​ 

No mercado em dois anos

A intenção é colocar “o máximo de beatas possível” dentro do tijolo, explica Murial Iten, investigadora do ISQ, grupo de consultoria e investigação em Engenharia, que desenvolveu os protótipos. Este material permite encontrar uma solução para as pontas de cigarros, um resíduo altamente poluente e com escasso potencial de valorização. Mas pode ter outras vantagens.

Os cientistas do CVR e do ISQ estão convencidos de que a introdução das beatas na composição dos tijolos pode permitir fazer poupanças no consumo de energia da sua cozedura. O acetato de celulose, de que são feitos os filtros dos cigarros, criará ele próprio energia, reduzindo a temperatura a que têm que chegar os fornos industriais – 1000 graus celsius, actualmente. “Isto é muito interessante para a indústria da cerâmica, cuja factura energética é o seu principal custo”, explica Muriel Iten.

Esta possibilidade está a ser estudada, à espera de ser comprovada cientificamente. O passo seguinte é “criar uma metodologia” de construção dos tijolos, que possa ser passada à indústria. A estimativa dos investigadores é que estes materiais possam chegar ao mercado dentro de dois anos.
 
Notícia: Público (jornalista: Samuel Silva; fotógrafo: Paulo Pimenta)