Formado em Ensino de Física e Química, Daniel Pereira Cristo é cantautor e multi-instrumentista em torno da música de raiz. Lançou a solo o álbum "Cavaquinho Cantado", com o qual venceu o Prémio Carlos Paredes 2018. Partilha palcos com figuras como Ana Bacalhau, Tatanka e Uxia e passou por coletivos como Azeituna, Sindicato de Poesia e Origem Tradicional.
 
Lembra-se do seu primeiro dia na UMinho?
Foi há 25 anos e a vontade de viver novas experiências e conhecer gente era muito grande... A expectativa era do tamanho do mundo!
 
O que o levou a escolher o curso de Ensino de Física e Química? Foi a sua primeira opção?
Sinceramente, foi um bocadinho à sorte, porque sempre gostei de muitas áreas de conhecimento e creio que, bem lá no fundo, o desejo era o de poder viver em torno da música... Mas nunca fui muito incentivado a isso e talvez não acreditasse, eu próprio, nessa possibilidade. Talvez visse o mundo artístico “apenas” possível como um hobby. Assim, a vida de professor e de formador de mentes críticas, aliada à minha paixão pela ciência, fez-me escolher o curso de Física e Química. A professora Clara, do Liceu Sá de Miranda, onde estudei, foi uma boa referência para mim, pela sua força e clarividência.

Que momentos da vida académica deixaram mais saudades?
Os anos de liberdade quase absoluta com viagens feitas pela Europa e pelo mundo com a Azeituna. De carrinha, de barco, de comboio, de avião e até de autocaravana, cantando para outros povos, conhecendo culturas diferentes ou matando saudades às nossas comunidades de emigrantes. Tocando na rua ou em grandes teatros para 10 ou 20 mil pessoas. Foram experiências incríveis, que nunca esquecerei e que lembrarei sempre com muita saudade. Recomendo a todos os que puderem que vivam este tipo de aventuras com os amigos e, se possível, através da música.

Chegou a dar aulas depois do curso? Como foi a experiência?
Só dei aulas de Física e Química no ano de estágio. Quando acabei a licenciatura, já trabalhava como consultor, formador e delegado de informação médica numa empresa de lentes de contacto especiais. Naquele ano perdi 24 kg e até o meu pai me perguntou se estava bem. Também estava gordinho, é verdade [risos]. Esta vida dupla ou tripla saiu-me do corpo, mas valeu a pena! Tinha vocação para professor e os meus alunos divertiam-se imenso comigo a arrastar carteiras com cordas para explicar as forças, a mandar bolas saltitonas pela sala para explicar o par ação-reação, a construir puzzles com botões para mostrar simbolicamente as disposições dos eletrões nos átomos ou até construindo canções para explicar os conceitos científicos que estivéssemos a estudar.
 
“Os alunos divertiam-se imenso comigo”
 
2017 foi o ano de viragem – decidiu abandonar o emprego e dedicar-se a tempo inteiro à música.
Abandonei o trabalho de 15 anos na Optiforum, empresa através da qual dei formação sobre lentes especiais a centenas de oftalmologistas, ortoptistas e optometristas. Tive algumas formações nos EUA e no Reino Unido e fui responsável pela introdução de lentes de contacto revolucionárias em Portugal. Conseguimos ajudar pessoas com problemas como a deformação progressiva da córnea, restituindo quase por completo a capacidade de visão a quem por vezes nem 10% tinha. Foi muito enriquecedor e senti que marquei a diferença na vida de muitos pacientes e profissionais. O passo de me dedicar em exclusivo à música, sendo de origens humildes e “pai de família” com dois filhotes, foi de um risco enorme e sem grande apoio moral ou de outra força qualquer. Mas a ideia de chegar a velho sem sequer ter tentado destruía-me por dentro. Teve que ser e ainda bem que o fiz! Se tiver que acabar amanhã, posso estar descansado, porque já vivi imensas aventuras pelas quais sou mesmo muito grato: umas boas centenas de concertos em nome próprio, uma residência artística na RTP em prime time, um espetáculo no Terreiro do Paço, em Lisboa, com os meus convidados especiais e muito mais! Consegui mais do que imaginava e, por isso, aconselho sempre as pessoas a seguirem o que as realiza, o que as faz sentir vivas.
 
Como surgiu a música na sua vida?
Essencialmente através do meu pai, o também alumnus Casimiro Pereira [licenciado e mestre em História pela UMinho]. Música e instrumentos sempre existiram em casa e na sala de ensaio do grupo “Origem Tradicional”, onde acabei por ingressar com 10 anitos, em 1989, já a tocar cavaquinho e a cantar. Foi a minha grande escola de música e de vida numa altura em que a música de raiz era bastante popular e em que tocávamos em muitos lugares, essencialmente no Norte de Portugal.
 
O seu primeiro disco, “Cavaquinho Cantado”, valeu o Prémio Carlos Paredes, já atribuído a artistas como Mário Laginha e Carminho. Um reconhecimento importante logo em início de carreira…
Foi, sem dúvida, um grande boost, que no fundo validou e deu credibilidade a tudo aquilo que estava a fazer em torno dos nossos instrumentos e sonoridades, em particular o cavaquinho, sempre com muita paixão, trabalho e com o maior rigor possível.
 
O regresso aos palcos depois de dois anos de pandemia

Deu espetáculos em vários países e partilhou palcos com figuras como Ana Bacalhau, Tatanka, Júlio Pereira, Rão Kyao ou Uxia. Quais são os próximos passos?
Brevemente, serão os espetáculos de lançamento oficial do meu novo disco “De Pernas para o Ar”, do nosso Minho para a capital e, espero, para o mundo. O primeiro será em Barcelos no início de julho. O pré-lançamento decorreu mais uma vez na nossa “catedral”, o Theatro Circo de Braga, cheia de amigos e gente boa, de quem tenho recebido imenso carinho e que tanta força me têm dado nesta caminhada. O espetáculo foi gravado, podendo ser desfrutado por outras vias. Estes concertos de apresentação assentam no conceito “Da Raiz ao Fado” e contam com convidados especiais, como a fadista lisboeta Carla Pires. Juntos queremos mostrar que o nosso país tem muita cultura e música por detrás dessa manifestação cultural portuguesa. A partir daí, é teimar em fazer a música que me apaixona, a partir dos nossos instrumentos e ritmos, cantando a vida, a alegria e o direito à felicidade. Seguindo sempre o meu lema de saber quem somos para sabermos melhor onde queremos ir e chegar, fazendo música contemporânea com bom gosto e com rigor a partir das nossas sonoridades ancestrais.

Continua ligado à UMinho através da Azeituna – Tuna de Ciências, que comemora este mês 30 anos. “Tuno um dia, tuno para sempre”. Revê-se nesta expressão?
Totalmente! A Azeituna é o ponto de encontro de várias gerações que definem também aquilo que sinto ser a academia e o meio académico. A partilha inter-geracional é muito importante e ganhamos muito com ela. É um grupo de amigos com uma grande amplitude, onde os mais novos aprendem com os mais velhos e vice-versa. Os mais velhos, onde me incluo, têm ali um excelente elixir da juventude: uma vez jovem, jovem para sempre. Young at heart. Fico sempre feliz por encontrar por lá gente boa, com valor e com valores.

Depois de dois anos de pandemia, a cultura volta a respirar. Dá alguma esperança a quem vive do setor?
Com as remarcações de concertos cancelados em 2020/21 e com tantos espetáculos oferecidos às salas e programações do programa “Garantir Cultura”, este ano será de poucos concertos. Felizmente, tenho criado várias bandas sonoras para o projeto "Rostos da Aldeia" e dado formações a professores da Associação Portuguesa de Educação Musical. Terei em breve os grandes espetáculos de lançamento do meu novo disco! Sempre positivo e a puxar para cima! A luta para os artistas independentes é constante... O futuro do setor artístico dependerá da economia e da forma como a pandemia e a guerra no leste europeu se desenrolarão. Estamos todos no mesmo barco e vivemos tempos muito incertos e difíceis. Que tudo possa desenrolar-se pelo melhor.

Que mensagem deixaria aos estudantes que estão prestes a sair para o mercado de trabalho?
Vivemos tempos complicados! Para a grande maioria, serão tempos difíceis pelas poucas oportunidades, pelos baixos salários, pelas rendas altíssimas e afins. Portanto, mais vale cada um procurar e seguir as suas paixões, dando sempre o seu melhor, com o maior rigor, foco e bom gosto possíveis! Arriscam-se assim a serem mais felizes, a terem uma vida com mais significado, a fazerem a diferença num mundo que está sedento destes bons inputs e a serem bem-sucedidos numa vida com sentido de um tão fundamental bem comum.
 
Quem é Daniel Pereira Cristo?
 
Um livro. “Patagónia Express”, de Luis Sepúlveda.
Um filme. “Underground”, de Emir Kusturika. Quero revê-lo nesta fase dramática em que vivemos.
Uma série. “Salvage Hunters”.
Uma música. “Estou Além”, de António Variações.
Um clube. SC Braga.
Um desporto. Andar de bicicleta.
Uma viagem. A riqueza, a história, as similaridades e a gastronomia italianas.
Um vício. A comida e a mesa.
Um prato. Peixe grelhado na brasa ou cabrito assado da minha mãe.
Uma personalidade. José Afonso.
Um momento. A mudança de vida e o lançamento do meu primeiro disco num Theatro Circo esgotado.
UMinho. Portas para o mundo, amigos e Azeituna.