Formado em Relações Internacionais, fez grande parte da carreira no setor financeiro. Trabalha há 24 anos na Euroclear, a maior central depositária de títulos no mundo. Já viveu em quatro continentes. Hoje mora em Nova Iorque, nos EUA.

Ingressou em 1991 na licenciatura em Relações Internacionais. O que o levou a escolher esse curso?
Sou da turma 1991-1995 do curso de Relações Internacionais –Ramo Relações Culturais e Políticas (RICP). Existiam dois ramos na altura (o outro era Relações Económicas e Políticas, RIEP). RICP era o melhor, claro [risos]! Tenho uma vaga ideia que esta foi, de facto, a minha primeira opção. Dentro da área das Ciências Sociais, o curso oferecia uma maior variedade de temáticas. Também pesou na decisão a proximidade de Braga, sendo eu de Viatodos, Barcelos. A nota de entrada no curso, naquele ano, estava no top 5 do país, o que é até hoje motivo de orgulho para mim e para os meus colegas.

Já sabia o que queria fazer a nível profissional?
Vagamente! Nos primeiros meses do curso, eu e muitos dos meus colegas achávamos que íamos ser diplomatas. Os colegas mais velhos encarregaram-se de destruir rapidamente o nosso sonho. Alegavam que a carreira diplomática dependia pouco do mérito, o que veio a ser desmentido mais tarde por vários colegas que hoje representam muito bem o nosso país. Só da minha turma são uns quantos: Marta Ribeiro, Helena Bicho, Maria Manuel Morais e Silva, João Paulo Costa e Jorge Monteiro. Portanto, no final do primeiro ano fiquei 'perdido' sem este sonho de um dia poder ser diplomata [risos].
 
Lembra-se do seu primeiro dia na UMinho? E em Braga?
Não me lembro propriamente do primeiro dia. Tenho memória das primeiras, e muitas, caminhadas desde a estação de comboios até ao centro, das inscrições no Largo do Paço, da escadaria do campus de Gualtar onde nos reuníamos, das atividades de integração no anfiteatro A1 e dos concursos de misses no Café Vianna. A nossa turma era muito divertida e sociável.
 
“Sentíamo-nos uns campeões”
 
Como avalia essa fase da sua vida?
Foi ótima! A entrada em RICP era por si só um enorme feito dada a elevada média nacional exigida. Sentíamo-nos uns campeões! Com o passar do tempo fomos ganhando alguma humildade [risos]. Havia muita e boa concorrência. Os quatro anos de curso foram muito enriquecedores naquilo que é o mais óbvio, como as amizades conquistadas e que duram até hoje, bem como no menos óbvio. Apesar de termos concluído a formação sem estarmos “preparados” para uma profissão específica, devido à diversidade de conteúdos do curso, saímos da UMinho com elevada capacidade de flexibilidade e adaptação para enfrentarmos um mercado de trabalho muito exigente. Daí ter conseguido, por exemplo, conquistar o meu espaço na área financeira e alguns dos meus colegas de curso estarem ligados a áreas como o imobiliário, a cultura, os seguros, o marketing ou a diplomacia. Além disso, éramos um grupo bastante dinâmico: ou estávamos envolvidos em associativismo, através do Centro de Estudos do Curso de Relações Internacionais (CECRI) e da AIESEC, ou na organização de eventos e conferências ou em alguma discórdia com determinado professor. Saí da UMinho cheio de traquejo!
 
Como correu a sua entrada no mercado de trabalho?
Nunca gostei de estar parado, sempre procurei oportunidades de trabalho que me trouxessem experiência valorizadora e independência financeira. Comecei por colaborar numa agência de organização de eventos e dei aulas de Inglês numa escola de formação profissional. Cheguei ainda a fazer um estágio ao abrigo do programa Leonardo da Vinci, em Liège, na Bélgica. No início de 1997, entrei no Centro de Informação Europeia Jacques Delors (CIEJD), em Lisboa. De um ponto de vista de carreira, esse foi provavelmente o primeiro verdadeiro emprego, tendo em conta a minha formação. A experiência durou apenas seis meses. Pelo meio fiz entrevistas para a Euroclear, para a qual entrei em setembro daquele ano. Uma nova carreira se iniciava no setor financeiro. E ainda cá estou! Olhando para trás, a formação em RICP, complementada com as atividades extracurriculares, deu-me uma diversidade intelectual e uma capacidade de adaptação essenciais para conseguir os diferentes empregos. Isto revelou-se particularmente vital na Euroclear, pois alguns departamentos não requerem formação específica, requerem sim pessoas capazes, flexíveis, dinâmicas e engenhosas. Nós tratamos de os formar e de criar oportunidades para que possam crescer.
 
De que forma surgiu a Euroclear na sua vida?
O fator das amizades nascidas na UMinho foi determinante. Encontrava-me em Lisboa a trabalhar no CIEJD enquanto grande parte dos meus amigos estava em Bruxelas a fazer o estágio na Comissão Europeia. Senti que estava no local errado. A Marta Moura, colega de curso que já trabalhava na Euroclear, incentivou-me a enviar o meu currículo. Fui recrutado depois de algumas entrevistas. Devo esse recrutamento, em parte, à ótima reputação portuguesa que a Marta já tinha construído. Recordo-me de a recrutadora dizer que os portugueses eram simpáticos, engenhosos (o nosso jeitinho português a dar cartas), trabalhadores e falavam várias línguas. Foi assim que começou a minha carreira internacional. Entretanto, juntou-se a nós outra colega de RICP, Cláudia Maia, que trabalha comigo como responsável por vários mercados latino-americanos. Muitos portugueses foram recrutados nos últimos anos, nomeadamente do centro de operações do BNP Paribas em Lisboa, dada a familiaridade com o nosso negócio.
 
Euroclear gere 36 triliões de euros em carteiras
 
É a maior central internacional depositária de títulos financeiros (ações, obrigações, fundos, ETFs, etc.)...
Exatamente! A Interbolsa é o equivalente português. Nós oferecemos serviços de liquidação, custódia, empréstimo e colateralização de títulos em mais de 50 mercados e moedas. Os nossos clientes são instituições financeiras, tais como bancos centrais, bancos de investimento e custodiantes, entre outras entidades espalhadas pelo mundo e que nos confiam 36 triliões de euros em carteiras. A nossa sede é em Bruxelas e temos escritórios em várias partes do mundo. Somos conhecidos como os canalizadores do mercado financeiro, na medida em que fornecemos e mantemos a infraestrutura internacional para a pós-negociação.
 
Trabalha há 24 anos na mesma empresa. O balanço é positivo?
Costumo dizer que, se cá estou há tanto tempo, é porque a empresa me trata bem e porque eu também dou retorno. O balanço é bastante positivo. A carreira foi acontecendo graças a muito trabalho e flexibilidade, sempre no departamento comercial. Comecei no serviço ao cliente, um misto de call center e de apoio operacional. Três anos depois mudei-me para São Paulo, no Brasil, onde fui responsável de vendas para vários países. Seguiram-se ciclos de três anos em que mudei de país ou de segmento de clientes. Em 2015, ainda em Londres, no Reino Unido, comecei a gerir a equipa de vendas e gestão de clientes que cobre vários países europeus. Pouco tempo depois fiquei também com a equipa do Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Desde janeiro de 2019 faço parte da direção comercial global da Euroclear, sendo responsável pela região das Américas. Esta minha longa carreira na mesma empresa só é possível graças à novidade e diversidade de responsabilidades, clientes e mercados ao longo dos anos.
 
Chegou a viver em São Paulo, Bruxelas, Londres, Dubai e, agora, em Nova Iorque. Sentiu muita diferença?
Sentem-se algumas diferenças, os típicos clichés nacionais, como os brasileiros e árabes serem mais relaxados, os anglo-saxões mais decisivos e os belgas mais burocratas e consensuais. Em termos gerais, penso que, do ponto de vista de mercado financeiro, o ritmo é, de facto, bem mais acelerado e exigente em Londres e Nova Iorque e isso reflete-se na forma de estar. Mas hoje em dia, num mercado global, diria que as diferenças são cada vez mais pessoais do que nacionais. Consigo encontrar os perfis relaxado ou decisivo na mesma equipa, na mesma localização.
 
Alguma vez se sentiu mais “deslocado”? E onde se sentiu mais em casa?
Eu próprio me ‘desloco’ cada vez que me mudo. Passo meses a falar bem da cidade anterior e mal da nova. Até que a nova vira casa. Senti-me mais “deslocado” no Dubai, que tem uma aparência de abertura e modernidade bem falsa. É na Europa onde me sinto mesmo em casa. A nossa velha e boa Europa. Para mim, é sem dúvida o melhor continente. Nova Iorque é passageira e Londres continua a ser a minha base. Espero que me aceite de volta, agora que saiu da União Europeia. Londres tem a agitação de uma grande cidade e do ponto de vista profissional é uma das maiores capitais financeiras do mundo.
 
Em 2019 assumiu a posição de Regional Head Americas na Euroclear. Explique-nos o que faz concretamente.
Como diretor regional no departamento comercial tenho duas grandes missões. A primeira é participar, como membro do comité diretivo, na definição da estratégia, organização e gestão do departamento a nível mundial. A segunda, mais específica, consiste em liderar a expansão do negócio na região das Américas e assegurar apoio ao cliente neste fuso horário, o que só é possível graças a uma ótima equipa de profissionais que trabalha comigo. Sou também responsável por gerir o escritório nas suas múltiplas facetas: recursos humanos, formação, orçamento, relações com autoridades, representação externa, entre outras responsabilidades.
 
Que dicas deixaria aos estudantes que querem apostar numa carreira internacional?
Antes de mais, dizer-lhes que os sonhos não têm fronteiras. Que cresçam flexíveis e de mente aberta. Que busquem oportunidades de experiências extracurriculares para aumentarem os conhecimentos práticos e ganharem traquejo no mundo do trabalho em grupos internacionais, portugueses ou estrangeiros. Que não se conformem com o fatalismo português e se apresentem como os melhores do mundo. Que invistam em desenvolver um perfil multidisciplinar e engenhoso. Que aprendam muito nos cursos que fazem, sempre com espírito curioso e crítico. E que se divirtam no processo.
 
Esta é a vida que imaginava ter quando saiu da Universidade?
Estou contente com o resultado alcançado. A minha carreira foi pouco planeada. É o resultado de uma navegação aberta a oportunidades.
 
Onde se vê daqui a dez anos?
Gostava de passar a minha reforma em Portugal, de preferência a Sul do país, não muito longe de Lisboa. Com bom tempo, acesso à cultura e a cuidados de saúde. A cultivar amigos e a dedicar o meu tempo a obras sociais, a viagens e à gestão financeira da reforma. Gostaria nomeadamente de colaborar com a minha escola primária, o Centro Escolar de Viatodos, introduzindo um programa que envolva a sociedade com o objetivo de alargar o horizonte das crianças locais.
 
E trabalhar em Portugal?
Portugal é cada vez mais um plano para a reforma. Penso que voltar, de um ponto de vista profissional, constituiria um choque cultural com o estilo de gestão, a mentalidade e as relações profissionais. Na Euroclear sempre tive acesso à direção e até mesmo ao chefe executivo do Grupo, sem burocracias. A estrutura é pouco hierárquica. Contam mais os resultados do que os títulos. O ritmo também é bastante acelerado. Mas estou sempre aberto a oportunidades. Never say no!
 
Nova Iorque foi, na primavera de 2020, o epicentro global da pandemia. Com este novo governo e o progresso na campanha de vacinação nos EUA, já consegue ver luz ao fundo do túnel?
Completamente! O país respira de alívio com um Presidente e um partido mais bem preparado na Casa Branca e no Congresso. A atenção do governo voltou-se para as pessoas e para a resolução dos seus problemas. Os desafios continuam enormes, mas as injeções de financiamento na economia e o ritmo acelerado da vacinação estão a criar um ambiente positivo. Na próxima semana tomo a segunda dose da vacina e no escritório começamos a organizar o retorno a uma “nova” normalidade. Agora, precisamos é que a Europa acelere também a vacinação.
 
Não tem tv em casa, gosta de esquiar e é fã do FC Porto
 
Um livro. Sou mais de jornais! O “Financial Times”...
Um filme. “A Single Man”, de Tom Ford.
Uma série. Não tenho televisão nem Netflix nem Hulu. Vejo excertos de “The Crown” no YouTube.
Uma música. “Pronúncia do Norte”, de Rui Reininho.
Um clube. O “grande” Futebol Clube do Porto.
Um desporto. Esqui. Descobri há três anos!
Uma viagem. São tantas! O meu top 5 inclui Itália, Israel, Moçambique, Brasil e todo o nosso Portugal, sempre acompanhado de bons amigos.
Um passatempo. O tempo é precioso: amigos e família!
Um vício. Ultimamente, tem sido criptomoedas.
Um prato. Cozido à portuguesa.
Uma personalidade. Passo!
Um momento. Receber a notícia de ter cancro aos 33 anos e, por minutos, pensar que estava pronto para partir. Surreal!
Um lema. Life is Good.
UMinho. Amizade. Aprendizagem. Ação. Orgulho. RICP forever... e Sardinha Biba e Pacha!