Hernâni Gomes foi convidado em 2018 pelo treinador Pedro Martins para "tratar" da alimentação dos jogadores da equipa grega Olympiakos. O alumnus formado em Medicina pela UMinho já tinha colaborado com o Trofense e o Rio Ave.

Quanto trabalho está num remate que dá um título? Quantas pessoas contribuíram para que tudo fosse perfeito no momento mais importante? O futebol tende a esquecer-se de todos os que contribuem para o sucesso das equipas.

Ninguém se lembra do psicólogo ou do nutricionista, áreas que estão a ganhar cada vez mais espaço no contexto do futebol profissional. Hernâni Gomes é o responsável pela alimentação do Olympiakos de Pedro Martins desde 2018, além de colaborar com o Nottingham Forest.

“Habitualmente, o nutricionista encontra-se inserido no departamento médico e trabalha em proximidade com a equipa técnica e com o Chef do clube. A minhas funções incluem planeamento e execução de tudo o que esteja relacionado com a nutrição do jogador, tendo me vista a maximização da performance e proteção da saúde”, explicou ao Maisfutebol antes de aprofundar a questão.

"É feita uma avaliação regular do peso assim como da composição corporal do jogador. São levadas a cabo consultas e conversas regulares com os jogadores no sentido de otimizar a alimentação. É importante entender a realidade do jogador – com quem vive, se sabe cozinhar – e uma boa interligação com o médico e com o preparador físico. São realizadas análises sanguíneas com regularidade e elaboradas ementas e fichas técnicas para as várias refeições no centro de estágio e deslocações da equipa que contempla viagem de autocarro/avião, hotel e estádio."

Tudo é planeado até ao mais ínfimo pormenor e de forma individual, podendo variar no decurso da época, esclareceu o nutricionista.

"A alimentação e a suplementação devem coadunar-se às características e objetivos individuais em cada momento da época. Há períodos nos quais a prioridade pode ser otimizar a composição corporal, garantir a recuperação em períodos de muitos jogos ou potenciar adaptações ao treino. O plano alimentar e a suplementação serão ajustados em cada um desses períodos. Por outro lado, avaliamos também a produção de suor de cada jogador e fazemos testes à sua composição em eletrólitos para podermos individualizar estratégias de hidratação", elucidou.

Além disso, a religião e o país de origem de cada atleta é tido em conta plano alimentar elaborado.

"Na minha opinião é muito importante estabelecer uma ligação estreita e de empatia com cada jogador: conhecer a sua realidade em casa, entendê-lo, saber as suas necessidades, o que valoriza, o que gosta e não gosta, a sua cultura e religião... Muito deste conhecimento não é obtido seguindo um protocolo ou em consulta, mas sim de forma informal, em convívio, em conversas de corredor, no ginásio... Assim, podemos ser mais úteis e obter melhores resultados", justificou.

Hernâni era sempre o primeiro a chegar ao balneário do Olympiakos antes de cada treino para inspecionar o peso dos futebolistas. Há rigor, muito rigor.

"Sou o primeiro a chegar ao balneário todos os dias de manhã. Frequentemente avalio o peso dos jogadores selecionados ou de toda a equipa. Como o pequeno-almoço e o almoço são feitos no centro de estágio, confiro o menu estipulado no buffet e tomo o meu pequeno-almoço. Antes do treino, tenho por hábito realizar avaliações antropométricas e consultas com os jogadores. Enquanto o treino decorre, preparo a refeição pós-treino no balneário com alimentos e suplementos de forma individual. Após o treino, fico com os jogadores enquanto se alimentam e de forma informal, recolho informações sobre o grau de fadiga, uma eventual mazela física e abordo dados particulares da sua alimentação sempre em jeito de convívio. Ainda faço algumas consultas individuais e verifico o menu do almoço. A parte da tarde é reservada para planeamento de tarefas, realização de ementas, reuniões, entre outros assuntos", relatou.

Porém, a pandemia de Covid-19 roubou o contacto diário a Hernâni. A solução encontrada pelo nutricionista foi, em conjunto com o líder do campeonato grego, criar todas as condições para manter o trabalho realizado até então.

"Mantive sempre um contacto regular com os jogadores, ainda que há distância, procurando fomentar uma alimentação saudável no seguimento do trabalho desenvolvido. Criámos condições para lhes enviar para casa almoço, jantar, snacks e suplementos. Também lhes foi disponibilizado todo o material para poderem treinar em casa. Pedimos ainda fotos do peso para acompanhar a sua evolução, no sentido de evitar grandes oscilações", referiu.

Este nutricionista é colaborada também com o Notthingham Forest, emblema do Championship que pertence ao dono do Olympiakos, Evangelos Marinakis. A realidade inglesa dois dos clubes é distinta, o que obriga a ajustes na alimentação dos jogadores.

"No início da época fui convidado a colaborar com o Nottingham Forest. Eles admitiram, entretanto, um colega nutricionista grego, com quem mantenho um contacto regular. Reunimos no nosso centro de estágio em Atenas e também já cheguei a ir a Nottingham algumas vezes. O clima e a oferta alimentar são muito distintos nos dois países, com repercussões na hidratação e comportamento alimentar. Outra particularidade é o número acrescido de viagens feitas com recurso a autocarro em Inglaterra (aqui na Grécia recorremos frequentemente ao avião) e isto tem algumas implicações nos menus", apontou.

Mas, afinal, como é que Hernâni chega ao Olympiakos?

O gosto pelo futebol – chegou a jogar nas camadas jovens do Famalicão - e o "jeito para os livros" levaram-no à nutrição desportiva. Depois de ter estagiado na formação do FC Porto, concluiu o curso e decidiu criar um projeto, em conjunto com dois amigos, e entrou no futebol pela porta do Trofense, clube no qual trabalho dois anos. Acabou por chegar ao Rio Ave ao mesmo tempo que tentava concluir o curso de medicina.

"Trabalhei seis épocas no grande Rio Ave, duas das quais com o mister Pedro Martins. Entretanto, ele foi para o Vitória e penso que não falámos durante dois anos. Numa sexta-feira ao final da tarde, estava a estudar na biblioteca da Escola de Medicina da Universidade do Minho – frequentava o quinto ano – e recebi uma chamada do mister. Pelas notícias, sabia que ele estava em Atenas e que seria o treinador do Olympiakos na época seguinte. Nos segundos em que o telemóvel vibrava e eu saía da biblioteca para atender, tinha a remota esperança de que pudesse ser um convite. Ele disse-me que o clube precisava de alguém nessa área e perguntou-me se estaria aberto à possibilidade de assumir o cargo. Estou, obviamente muito grato pela oportunidade. Além do degrau profissional que representa, para quem gosta de futebol é um sonho trabalhar a este nível. Já tive a felicidade de ter vivido noites europeias mágicas e históricas para o clube", concluiu.

E quanto do golo de Youssef El Arabi, que deu uma vitória histórica ao Olympiakos frente ao Arsenal, em Londres, tem do trabalho de Hernâni? Ou do psicólogo?


Notícia: Mais Futebol