Ercília Machado, ex-atleta do SC Braga e do Sporting, colaboradora do Instituto Português do Desporto e Juventude, fez um doutoramento na Universidade do Minho. Tempos de trabalho, de investigação, de treinos e de provas. Há tempo para tudo.

“Todos os dias eu acordo um quarto para as seis ou às seis da manhã, para ir treinar e depois ir trabalhar, voltar para casa e manter esta rotina a mil à hora. Não é fácil conjugar, e tenho restrições, vida social parada e custa ver a vida passar e eu a não aproveitar nesse aspecto os anos como deveria. São prioridades”, explica, aos 33 anos, a atleta que representou Sporting, SC Braga e selecções nacionais.

“Por opção vou estar mais um ano como individual”, revela. “Continuarei a tentar ir aos campeonatos nacionais. Gostava de voltar à selecção”, prossegue, indicando que vai apostar no corta-mato e na pista. “Nesta fase, os 3000 metros para a pista coberta, e ao ar livre os 5000”, são as opções.

“Gostava de dar o máximo até 2020, é ano de Jogos Olímpicos. É muito difícil, ma​s para sonhar ninguém paga nada. Continuo a sonhar. Gostava de estar nuns Jogos Olímpicos, é muito difícil, a trabalhar a tempo inteiro é mais complicado, porque não conseguimos ter descanso para recuperar dos treinos e também isso dificulta bastante”.

Perguntamos-lhe se já pensou um dia assumir no atletismo um papel de dirigente ou treinadora. “Eu não consigo estar longe disto. Eu quero estar sempre relacionada com o desporto. Agora, se será como treinadora ou como dirigente não sei. Ainda vou trabalhar. Vou ver o que é que dá, para chegar ao final de 2020 e dizer se é para continuar ou não”, responde.

Em 2019, para os Campeonatos da Europa de corta-mato, a Federação Portuguesa de Atletismo chamou à selecção feminina, só três atletas, o que não se explica em termos de poupança, dado a prova ter sido em Lisboa. Ercília manifestou publicamente a sua discordância. “Eu nunca estive só com o atletismo, sempre conjuguei com estudos ou com trabalho. O eu ter conseguido 26 títulos nacionais, 11 segundos lugares, 9 terceiros lugares e 17 internacionalizações, faz-me sentir orgulhosa e demonstra que consegui conjugar estudos com a parte desportiva. Este ano, eu falei, mas eu não falei por este ano. Eu tenho consciência de que no meu corta-mato de apuramento tive uma prestação baixa para aquilo que eu andava a treinar. Mas face àquilo que se passou dias antes da prova de apuramento, eu não fazia milagres. Senti necessidade de falar este ano, porque é o terceiro ano consecutivo em que eu tento lutar por esta prova de qualificação e há sempre alguma coisa que muda nos critérios para eu não ir à selecção; isto desmotiva, porque nós focamo-nos em algo, conciliar trabalhos com treinos, a acordar cedo para aquela prova e depois os critérios estão sempre a mudar”, salienta.
 
A antiga atleta do SC Braga e do Sporting revela que chegou a telefonar ao técnico nacional a perguntar se havia na selecção lugares disponíveis e que este lhe terá respondido que havia, por haver atletas com outras opções pessoais, como maratonas ou a recuperar de lesões. “Não foi quase ninguém, porque todas as outras seniores ninguém sabia disto. Eu sabia, eu queria ir. Infelizmente, tive um pequeno percalço uns dias antes, mas não deixei de estar lá. Se fosse aos lugares, eu tinha o meu lugar. Mas agora já é o lugar e o tempo que havia entre a primeira e a segunda - neste caso, para mim e para a primeira classificada”.

“Tive sempre de estudar ou trabalhar”

Questionada se, caso não fosse a carreira académica, poderia ter ido mais longe no atletismo, admite que sim. “Nunca tive oportunidade de estar só para o atletismo; tive que estudar ou de trabalhar; ter o doutoramento, ter treinos e competições é difícil: daí eu ter demorado 9 anos a concluir um doutoramento que era de 4 anos”, responde.

No primeiro ano foi fácil, acrescenta. “A parte teórica, eram aulas, não havia problema em conciliar; mas no segundo, terceiro e quarto anos foi difícil, a parte laboratorial, e aí nós estamos dependentes do processo científico”, explica.
 
“Nós podemos fazer o esquema de como é que nós queremos que corra, mas nunca será assim. Há variáveis e aconteceu algumas vezes não conciliar bem as coisas. A minha parte científica era muito laboratorial, muito à base de fermentações, eu tinha de tirar amostras de xis em xis horas. Era tirar amostras assim às 10 horas, ao meio-dia, às duas da tarde, às quatro da tarde, às oito… chegava a tirar amostras à meia noite”.

Não havia tempo para treinos? - questionamos. “Haver, havia”, responde. Mas no último ano de faculdade tive um esgotamento quer físico, quer psicológico. O corpo já não aguentava. Nessa fase eu ainda tentava fazer treinos bi-diários”.

Do SC Braga ao Sporting e às selecções nacionais

Nasceu em Dezembro de 1986, em Santo Tirso. Em 2003, transferiu-se para o SC Braga. Em 2005, disputou os 1.500 metros no Europeu de Juniores e no Europeu de Corta-Mato. Ainda no corta-mato, foi tri-campeã nacional sub-23 de crosse curto, entre 2006 e 2008, tendo neste ano acumulado os títulos do escalão, nos campeonatos nacionais de corta-mato e de estrada. Em 2006, estreou-se no Campeonato da Europa de Corta Mato, sub-23, competição onde participou por três vezes.

Na pista, em 2007, foi campeã de Portugal no escalão de sub-23, nos 800 e 1500 m, tendo participado nos Europeus da categoria. Em 2008, foi campeã de Portugal em pista coberta, sub-23, nos 1500 e 3000 m. Em 2011, foi campeã de Portugal nos 3000 m em pista coberta e estreou-se nos Campeonatos do Mundo de Corta Mato. No fim de 2012, transferiu-se para o Sporting e em Dezembro fez parte da selecção nacional que foi segunda nos Campeonatos da Europa de Corta-Mato. Em Março de 2014, integrou a equipa do Sporting campeã nacional de corta-mato. No final desse ano, participou de novo nos Europeus de Corta Mato, que se disputaram na Bulgária.

Na época de 2017, fez parte das equipas do Sporting que ganharam o Campeonato Nacional de Corta Mato e o Campeonato Nacional de Crosse Curto. Afastada da equipa nacional que disputou os campeonatos europeus de corta-mato - só foram convocadas três atletas, Dulce Félix (oitava), Salomé Rocha e Susana Francisco - tendo sido os campeonatos realizados em Lisboa, questiona critérios de selecção.
 
Notícia: Correio do Minho
Foto: Nuno Gonçalves