Formado em Física, é um dos responsáveis pela implementação da estratégia “Portugal Space 2030” e representa o país na Agência Espacial Europeia. Já colaborou na Telespazio, Deimos Space e EUMETSAT.
 
Ingressou em 2002 na licenciatura em Física da UMinho. Foi a sua primeira opção?
Foi a minha única opção, mas entrei vindo da Universidade da Beira Interior (UBI). Estive dois anos na Covilhã e só depois é que vim para Braga.
 
Lembra-se como foi o seu primeiro dia? E os restantes?
Recordo-me perfeitamente! Fiz a matrícula no Complexo Pedagógico II, no campus de Gualtar. Estava tudo muito bem organizado e o processo foi fácil, com alunos mais velhos a apoiarem. A própria arquitetura do campus ajuda na integração, fazendo com que os novos estudantes se ambientem mais rápido ao contexto. A minha turma era relativamente pequena e começámos logo a criar vínculos entre colegas. A ligação com os professores da UMinho era facilitada graças a isso, conhecíamo-nos todos. Alguns docentes pensavam fora da caixa e procuravam criar oportunidades para fomentar o nosso interesse. Na UBI cheguei a participar na 5th ESA Student Parabolic Flight Campaign, uma iniciativa da Agência Espacial Europeia (ESA), graças à qual fiz um voo de gravidade zero, num projeto conjunto com o Departamento de Engenharia Têxtil da UMinho que envolveu os professores António Pedro Souto e Hélder Carvalho. Foi importante ver o interesse dos docentes no que eu já tinha feito e a vontade de desenvolver algo semelhante no Departamento de Física da UMinho. A professora Cacilda Moura era das mais dinâmicas e procurava sempre que fôssemos mais do que alunos. O envolvimento em pequenos projetos paralelos ao plano curricular, logo no início do curso, influenciou aquilo que alguns dos meus colegas fazem hoje e preparou-nos para o futuro no mercado de trabalho.
 
Como surgiu esse “bichinho” da física? E essa vontade de descortinar os mistérios do Universo?
Sempre quis trabalhar no setor do espaço. Gostava de astronomia e a física permitia-me responder a algumas inquietações. Sinto que o curso de Física me deu ferramentas e uma forma de ver o mundo e de raciocinar que permite adaptar-me muito rapidamente a qualquer meio desconhecido. O setor espacial é multidisciplinar e é importante entendermos a linguagem de todos os que estão envolvidos numa determinada missão.
 
Que momentos da vida académica recorda com mais saudades?
Estive sempre muito envolvido em atividades. Fiz parte da Associação Académica da UMinho e criei com colegas de curso o Núcleo de Estudantes de Física e um pequeno grupo de astronomia. Recordo-me que, em 2004, acompanhámos o trânsito de Vénus (a passagem daquele planeta diante do sol), frente ao CP II, e participámos num projeto internacional para medir a distância entre a Terra e o sol. Contamos, mais uma vez, com o apoio dos professores do Departamento - Luís Cunha, Mário Almeida e Mário Rui Pereira, entre outros. Também fizemos a nossa barraquinha de curso no Enterro da Gata. No desporto fiz parte da equipa de polo aquático da UMinho... Que bons momentos! Posso deixar uma mensagem para os que ainda estão a estudar?
 
Sim. Qual é a mensagem?
Este é o melhor momento para preparar aquilo que vai ser a vossa vida profissional, criar coisas novas e errar. Aproveitem o ecossistema que vos rodeia! A universidade é um meio multidisciplinar onde podemos aprender um pouco de tudo e com todos. Tem-se acesso a professores que necessitam muitas vezes de ser desafiados para projetos novos e que nos podem guiar no nosso caminho.
 
Já voou em gravidade zero
 
A sua paixão pelo espaço levou-o a sair do país para continuar a formação. Conte-nos como foi...
Quando terminei a licenciatura, comecei a ver de que forma podia trabalhar no setor espacial. Decidi candidatar-me à International Space University, em França, que já conhecia há alguns anos, e fui aceite. Foi a partir daí que a minha vida deu o salto. Tive os melhores professores do mundo nessa área, como um russo que trabalhou com Yuri Gagarin, a primeira pessoa a viajar pelo espaço, e em todos os projetos soviéticos da altura. Os meus colegas eram fantásticos e estudava num ambiente pensado e desenhado para os geeks do espaço. Graças a isso, pude fazer o estágio na ESA e iniciar-me neste caminho espacial, mas sempre com os pés na Terra [risos].
 
Iniciou a carreira como representante de Portugal na Agência Espacial Europeia. Como surgiu essa oportunidade?
Portugal tinha entrado em 2000 para a ESA e durante os primeiros anos a representação nacional foi transitando de organização em organização até que, em 2009, ficou sob alçada da nossa Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Nessa altura procurava-se candidatos para aumentar a equipa e fui a pessoa selecionada. Foi uma experiência fantástica para a qual senti que a minha formação tinha sido adequada, quer a licenciatura em Física como o mestrado em Estudos Espaciais.
 
O que fez a seguir?
Ser um dos representantes nacionais na ESA enchia-me de orgulho, mas percebi rapidamente que necessitava de mais conhecimento, principalmente na área industrial. Neste setor participam ativamente vários interlocutores, governamentais, industriais, científicos e, claro, os que representam a sociedade, cada um com o seu papel. É preciso entendermos “as dores” de cada um. Por isso, deixei a FCT e fui rumo a Espanha para trabalhar na Deimos Space, no segmento ligado ao espaço. Estive lá quatro anos até me mudar para a Alemanha, onde fiz um MBA em Administração de Negócios e Gestão na Frankfurt School of Finance and Management. Depois, trabalhei na Telespazio Veja, no segmento Terra – Antenas, e, mais tarde, na Agência Europeia de Satélites Meteorológicos (EUMETSAT), que fornece as imagens de satélite que vemos nos programas de meteorologia.
 
Turismo no espaço “vai crescer na próxima década”
 
Assumir a direção da Agência Espacial Portuguesa tem um sabor especial?
Claro que sim! Ser um dos diretores da Agência e ter a possibilidade de influenciar a nível nacional e internacional o caminho do setor espacial é uma grande responsabilidade, mas ao mesmo tempo muito desafiante e enriquecedor a nível profissional e pessoal. Além de acompanhar os diferentes programas espaciais, tenho tido a oportunidade de, com a equipa da Agência, criar e desenhar programas educacionais que, acredito, vão influenciar de forma positiva as novas gerações em Portugal. Sempre quis trabalhar neste ramo e poder fazê-lo a partir de Portugal e como diretor da Agência Espacial Portuguesa é uma profunda honra e um orgulho.
 
Qual é o propósito desta estrutura?
Implementar a Estratégia Nacional para o Espaço (Portugal Space 2030), representar o nosso país nas várias organizações internacionais relacionadas com o setor e promover o espaço em Portugal. Estamos em constante contacto com a indústria nacional e com a academia para fortalecer a área no país e a nível internacional.
 
Quais são os grandes desafios para o setor? E as metas a longo prazo?
O setor espacial muda muito rapidamente! Está a deixar de ser maioritariamente governamental e a transformar-se num setor onde os atores privados ganham cada vez mais preponderância. Só em 2020, o investimento privado no espaço, a nível mundial, atingiu os 6,7 mil milhões de euros. Em 2019 foram lançados cerca de 600 satélites e em 2020 foram lançados 1275. Este número vai ser ultrapassado em 2021. O espaço está presente na nossa vida, em cada coisa que fazemos, mas não é uma infraestrutura que vemos. Por exemplo, quando usamos os sistemas de navegação, fazemos transações bancárias, consultamos o estado do tempo e brevemente também na Internet of Things com o aumento da conectividade por via das mega constelações de satélite. Se pensarmos no acesso ao espaço, o ano 2021 viu pela primeira vez empresas privadas a lançarem turistas para o espaço, tanto em voos suborbitais como orbitais. Este mercado vai crescer na próxima década. E é mais um elemento a somar ao grande desafio que temos pela frente: garantir a sustentabilidade do espaço e assegurar que o aumento do lixo espacial não destrói os satélites em órbita e as estações espaciais onde trabalham os astronautas. É aqui que se estão a centrar os esforços internacionais.
 
Portugal está no caminho certo?
Com a sua entrada na Agência Espacial Europeia surgiram as primeiras empresas nacionais no setor. Hoje em dia são empresas maduras que competem ombro a ombro com a indústria internacional. Também temos conseguido atrair empresas internacionais para Portugal e fazer despontar novas startups. A nível académico, temos vários cientistas em missões internacionais e diretamente envolvidos na coordenação. O contributo das universidades é fundamental para o nosso crescimento neste âmbito. O espaço é multidisciplinar e vê-se cada vez mais esta interligação. Necessitamos, por exemplo, dos melhores engenheiros informáticos e cientistas computacionais para o desenvolvimento de algoritmos capazes de detetar o lixo espacial usando inteligência artificial. A componente da meteorologia espacial está a ganhar preponderância e o seu desenvolvimento está ainda a um nível de investigação fundamental. Precisamos também de uma articulação mais forte entre a indústria e a academia, que cresceu nos últimos anos, mas tem de continuar. A indústria tem problemas que a academia consegue resolver e a academia concebe soluções que precisam de ir para o mercado e serem rentabilizadas do ponto de vista económico.
 
Onde se vê daqui a dez anos? Que projetos tem em mente?
Quando era mais jovem gostava de traçar planos com metas bem definidas e por vezes rígidas, mas o que fui aprendendo pelo caminho é que surgem sempre contratempos e, portanto, é difícil projetar o futuro. Daqui a dez anos quero estar a fazer algo que seja transformador e relevante para as próximas gerações e para o setor do espaço.
 
Ir até ao espaço faz parte dos planos?
Não sei como nem quando, mas gostava muito de lá poder ir. Acredito que o custo de acesso ao espaço vai reduzir substancialmente nos próximos 10, 20 anos, permitindo a muitos a concretização deste sonho.
 
O que faz nos tempos livres?
Os tempos livres são poucos, mas, sempre que os tenho, tento estar com a minha família e fazer desporto, principalmente natação em águas abertas. Descobri há pouco esta modalidade e é fantástica!
 
“A Casa onde tudo começou”
 
Um livro. Estou a ler “Como evitar um desastre climático”, de Bill Gates.
Um filme. “Contacto”, dirigido por Robert Zemeckis.
Uma série. “Seinfeld”.
Uma música. Várias músicas de Pedro Abrunhosa.
Um clube. FC Porto.
Um desporto. Polo aquático e triatlo.
Uma viagem. Austrália.
Um passatempo. Natação em águas abertas.
Um vício. Chocolate preto.
Um prato. Vitela à moda de Fafe.
Uma personalidade. O físico Carl Sagan.
Um momento. O email que confirmou o voo em gravidade zero.
Um sonho. Ir ao espaço.
UMinho. A Casa onde tudo começou.