Rosário Bento nasceu em Coimbra e cresceu no Bairro Norton de Matos. Depois, partiu à conquista do mundo. Trabalhou e viveu mais de duas décadas no coração da Europa. Desde outubro de 2019, é embaixadora da União Europeia no Gabão, com extensão a São Tomé e Príncipe.
 
O que guarda das suas memórias de infância e juventude, em Coimbra?
Eu sempre morei no Bairro Norton de Matos. Um bairro muito pacato, na altura com muitas crianças e jovens da minha idade e perto de todas as escolas que frequentei – a escola primária, situada no mesmo bairro, na Rua Dr. Daniel de Matos, onde em 2013 me tornei proprietária de um apartamento, do então ciclo preparatório Eugénio de Castro, da escola secundária Quinta das Flores, da Escola Brotero e, finalmente, o Liceu D. Maria onde andei do 10.° ao 12.° ano. Desses tempos, guardo uma saudade de brincar na rua, ir a pé sozinha ter com os amigos que eram muitos e bons e muitos dos quais perduram até ao dia de hoje. Guardo a memória de tempos de descontração, sem medos nem receios e de muita liberdade. Uma infância e juventude muito feliz.
 
Por que não completou estudos em Coimbra?
Eu sempre amei o meu país, mas muito cedo senti que precisava de “navegar” para conhecer outros mundos, outras culturas, outros povos e outras línguas. O espírito de aventureira, de descobrir coisas novas, de me abrir para o mundo sempre esteve comigo. E aos 16 anos disse aos meus pais que queria tirar um curso que me desse essa oportunidade de me abrir horizontes e portas internacionais. Na altura, em 1998, não havia curso de Relações Internacionais em Coimbra e foi essa a razão para ter ido para Braga, para a Universidade do Minho.
 
Como surgiu na sua vida a ideia de partir?
A ideia de partir esteve sempre dentro de mim. Apesar de ser a irmã mais nova, com dois irmãos, e de ambos terem estudado em Coimbra e viverem em Portugal, eu cedo senti que precisava de me aventurar. Saí primeiro para fazer um estágio no Parlamento Europeu na Direção Política e de Estudos Estratégicos, no Luxemburgo, e era suposto ficar cinco meses. Nunca mais regressei para trabalhar em Portugal, mas regresso seis a sete vezes por ano desde que saí, em 2004, para visitar a família e amigos e fazer turismo no meu país.
 
Onde esteve, profissionalmente, antes de chegar ao Gabão?
Estive quatro anos no Luxemburgo. Depois do Parlamento Europeu fui para a Embaixada de Portugal como Chanceler e desde finais de 1999 estive até 2019 em Bruxelas. Primeiro na Representação de Portugal junto da UE e, desde finais de 2000, na Comissão Europeia. Fiz este ano 20 anos de serviço como funcionária e, quando esta pandemia nos deixar, irei a Bruxelas receber das mãos da Presidente da Comissão Europeia a medalha de 20 anos de serviço, de que muito me orgulho. Passei por vários serviços e gabinetes e só tive experiências enriquecedoras e gratificantes de trabalhar para esta instituição tão prestigiada e tão compensadora por saber que foi a criação da CEE que deu paz a este continente durante os últimos 62 anos. Neste percurso e durante 15 anos fiz negociações internacionais no quadro das convenções internacionais para o ambiente das Nações Unidas, na Organização Mundial do Comércio e sete anos e meio nas negociações internacionais para a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Cheguei a fazer 200 dias de trabalho fora de Bruxelas por ano no quadro dessas negociações e corri os 5 continentes.
 
Como é viver a portugalidade em África?
Muito enriquecedora e facilitada. Nós portugueses somos geralmente muito bem aceites em África e tendo sido um povo de descobridores passámos quase por todos os países costeiros de África e o Gabão não foi exceção. Os navegadores portugueses descobriram o Gabão no final do século XV e, durante os três séculos seguintes, desenvolveram o comércio, recebendo madeira, marfim, ouro e escravos em troca de produtos manufaturados na Europa. Só em 1843 é que a bandeira francesa foi hasteada. Ainda hoje há muitos nomes de cidades e províncias que foram dados pelos portugueses: Port Gentil, Santa Clara, Point Denis, Sette Cama, Cape Lopez… Os portugueses integram-se melhor e aceitam melhor culturas diferentes do que outros países europeus porque toda a sua história foi feita de expansão, abertura, mixicidade e integração, seja dentro ou fora de Portugal. Um verdadeiro português tem de ser aberto ao mundo, a novas culturas, povos, raças, línguas e religiões. Nós somos o fruto dessa mixicidade desde o século XV e os nossos antepassados deixaram-nos, e muito bem, esse legado.
 
Que contactos mantém com Coimbra?
Tenho toda a minha família, exceto um irmão que casou e vive em Vila Nova de Gaia desde 1997. Tenho o pai e a família paterna da minha filha e muitos amigos que preservo desde miúda. E quando vou a Portugal passo uma grande parte das minhas férias em Coimbra. Relativamente às instituições, é mais difícil. Elas estão sobretudo em Lisboa, no Ministério dos Negócios Estrangeiros e na Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus.
 
Como viveu a inscrição de Coimbra - Alta Universitária e Rua da Sofia na lista dos sítios Património da Humanidade?
Com muito orgulho e emoção. Coimbra é a minha cidade de berço e tudo o que der à minha cidade Natal prestígio e renome é motivo de orgulho. Enquanto cidadã do Mundo, tive a sorte de ter encontrado gentes dos 5 continentes que conheciam a minha cidade e isso sempre me encheu de orgulho pela história da cidade e pela sua universidade, mundialmente conhecida.
 
Como está a acompanhar a pretensão de Coimbra vir a ser Capital Europeia da Cultura em 2027?
Tem capacidade e mérito para o fazer. Tem tudo a ver com o querer, porque quando queremos conseguimos fazer. É o nosso espírito de aventureiros e descobridores. Há tempo suficiente para o preparar e penso que, com a história e os monumentos que Coimbra tem, não será difícil fazer algo de muito bom.
 
Fonte: As Beiras